domingo, 18 de abril de 2010

SAÚDE AMORDAÇADA ( I )

Qualquer pessoa medianamente escolarizada, ou razoavelmente informada, será capaz de melhores opções quando falamos de saúde. Será capaz de pensar a sua saúde. Não há quem consiga escapar da neurose de informação que o sistema global derrama sobre as nossas cabeças. Mas, como disse inicialmente, o mínimo de compreensão e condições de interpretação, será necessário, para que se possa assimilar o que acontece ao nosso redor. Há um grande bolsão de comunidades pobres nesse nosso Brasil, sabemos disso, onde sequer a luz elétrica chegou, e muito menos a informação sobre saúde e higiene, em sentido amplo. Comunidades onde há muita fome, muita desnutrição, muita "miséria absoluta", que os números estatísticos sequer dão conta  de traduzir.
A realidade da miséria não se traduz em escalas matemáticas, em cálculos, em curvas esotéricas no grande mapa "ibegeano" da fome brasileira, do desamparo brasileiro, onde não há lugar para se discutir sobre saúde. Mesmo nos centros urbanos, onde essa miséria anda catando o que comer nos aterros sanitários, nos lixões, a opção por saúde seria uma piada de humor negro.
Mas nesse mesmo centro urbano, há também aqueles que participam do acesso ao conforto da informação, do alimento, da higiene. Referia-me, inicialmente a esses, e retorno ao fio da meada.
Então, ser minimamente escolarizado, ou razoavelmente informado, não nos dá mais o direito de atropelar os princípios básicos do bom-senso, que segundo Descartes "é o bem melhor distribuído, de tal forma que todos julgamos possuí-lo satisfatoriamente". Assim, vamos ao que interessa.
Alguém desconhece o axioma fundamental da sociedade de mercado? Acredito que não. Vender, vender, vender... Os fins justificam os meios! Não importa o que vendemos e o que acontece com quem consome! O que importa é a mais-valia!
E nesse maquiávelico projeto, a saúde também se transforma numa meta de consumo!
Nunca, em qualquer tempo, foi tão nefasto delegar a autoridade de gerenciar a vida e a saúde!
Irresponsabilidade, despreparo, ganância, mercantilismo etc, tudo somado e bem empacotado, tem sido jogado na nossa cara! Pior: no nosso corpo! E temos participado dessa trama, com a solene inconsciência dos ignorantes! Mas abusamos do direito de ignorar! As informações despencam sobre nossas cabeças, como as folhas das árvores caem no outono. Ignoramos porque desejamos? Damo-nos conta de que realmente desejamos isso? Creio que não...
Ignoramos por comodismo, porque aceitamos sem discutir, delegar a gerência da nosa vida e da nossa saúde. Sequer pensarmos sobre o que fazer ou que recursos buscar para minorar determinado mal que nos acomete. E muitas vezes o mal é decorrência de outro, e de outro, numa sucessão de imprevidência e falta de compromisso com o nosso próprio bem-estar.
Os exemplos estão à nossa volta. Basta que olhemos e rapidamente identificamos pessoas que, mecanicamente, repetem procedimentos medicamentosos, mesmo sabendo que não há resultados positivos e que, muitas vezes, ampliam o processo da doença.

Ocupamos o quinto lugar mundial no consumo de remédios! Dispomos de mais de 32.000 rótulos de medicamentos, com variações de 12.000 substâncias! Um excesso descabido, considerando-se a lista de medicamentos essenciais para o bem-estar, da Organização Mundial de Saúde (OMS) de apenas 300 itens. Será que precisamos de tantos remédios assim? Dizem os especialistas que não!
Assistimos a uma sociedade intolerante com as drogas ilícitas e diante das drogas prescritas por médicos, somos levianamente permissivos, tolerantes, cúmplices.
Apesar da grande doença nacional, chamada miséria e desamparo, fonte óbvia da saúde arruinada de tantas comunidades pobres, das doenças características dos segmentos médios e ricos, cujo uso abusivo e irregular de medicamentos cresce rapidamente, cabe especular a razão porque isso acontece, favorecendo a indústria química de medicamentos.
Não é difícil compreender o que acontece.

Há uma farmácia para cada 3.000 habitantes, mais do que o dobro do recomendado pela OMS. Significa isso que há mais farmácias do que padarias! Há, em média, 54.000 farmácias para 50.000 padarias! Pode-se comprar drogas químicas por telefone ou pela internet, com ou sem receita médica! Diagnósticos são dados nos balcões de farmácias por atendentes, que empurram os remédios da moda, indo das últimas novidades em analgésicos e tranqüilizantes à pílulas de viagra.
O Sinitox (Sistema Ncional de Informações Tóxico-Farmacológicas) aponta 22.121 casos de intoxicação no ano de 2000 e considera que nem todos os casos são informados pelos Estados e nem sempre os médicos asumem os erros de prescrição. Significa que os casos registrados representam quase 1/3 do que realmente ocorre em termos de intoxicação medicamentosa, o que leva a pressupor um número aproximado de 100.000 casos.
Há uma cortina de silêncio em torno da gravidade do problema. E enquanto a cortina não sobe, milhares de pessoas correm o risco de se tornarem farmacodependentes, aumentando as estatísticas das clínicas psiquiátricas.

O problema ampara-se na irresponsabilidade de alguns médicos e nos interesses da bilionária indústria farmoquímica, que em matéria de lucros perde apenas para a indústria petrolífera.
Segundo uma estimativa da revista inglesa Focus, o setor teria faturado em 2003, 406 bilhões de dólares. Estima-se que no mesmo período, a indústria brasileira faturou aproximadamente 7,5 bilhões de dólares, valor que pode parecer  pequeno diante dos 170 bilhões de dólares que faturou a indústria farmacêutica americana.
Seria cômico, se não fosse trágico! O antialérgico Claritin chegou a gastar mais em propaganda do que a Coca-Cola.!
Ao tratarem os medicamentos como qualquer mercadoria, qualquer produto, os anúncios publicitários conseguem aumentar as vendas dessas drogas! Distribuição de prêmios a donos de farmácias e balconistas que atingirem as melhores metas de vendas!

M. AMERICO