quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A RESSACA DO GOLE DE ONTEM





Aos que acharam fraca a sugestão de ontem sobre de onde vem o lulismo - digo, a plena aceitação da roubalheira, do perdão e da reassimilação dos ladrões - sirvo hoje esta seleção de textos e comentários de época tomados ao Capitulo 10, "Corruptos e ladrões", do segundo volume do “Escravidão” de Laurentino Gomes.

“Autora de um importante estudo sobre o tema, a historiadora Adriana Romeiro, doutora pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), observou que durante o período colonial brasileiro enriquecer no exercício de um cargo público não constituía, por si só, em delito”.

“Injusto, desumano e violento, o sistema escravista português e brasileiro era corrupto e corrompido dos alicerces até o topo da pirâmide. Seu funcionamento dependia de suborno, extorsão, malversação dos recursos públicos, contrabando, sonegação de impostos, clientelismo e nepotismo, entre outras contravenções.”




“De modo geral, a coroa foi mais tolerante com os furtos e extorsões praticados contra os vassalos do que aqueles que prejudicassem diretamente suas rendas”.

“Eu vos mando à Mina, não sejais tão néscio [tolo] que venhais de lá pobre”. (do rei d. Joao II, em 1495, em carta ao governador da Fortaleza de São Jorge da Mina, entreposto de escravos na África, que acabara de nomear para o cargo).

“O caso não está em ser gentil-homem, o ponto está que a todos assim pareça”.

“Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela, ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. (frei Vicente do Salvador).

“Não posso deixar de dar conta a Vossa Majestade que este mosteiro [de São Bento], e o Convento do Carmo, e Santo Antônio são três valhacoutos públicos aonde estão continuamente seguros criminosos, e devedores, havendo muitos que se conservam um ou dois anos dentro dos conventos com tanto escândalo da justiça que se não acautelam dela.[ 3]”



“Os roubos e excessos de muitos governadores são tais que [esses políticos] deviam ser não só julgados mas também decapitados imediatamente”.

“Ao retornar a Lisboa, em 1720, dom Pedro de Almeida Portugal, o conde de Assumar, governador da capitania de São Paulo e das Minas do Ouro, desembarcou um baú contendo 100 mil moedas de ouro, fortuna infinitamente superior aos seus vencimentos. Era um dos homens mais ricos da metrópole. Irritado com tal demonstração de enriquecimento ilícito, o rei dom João V inicialmente recusou-se a recebê-lo para a cerimônia do beija-mão, como seria de praxe. Mas logo o perdoou e, mais do que isso, nomeou-o vice-rei da Índia, de onde Assumar voltou ainda mais rico e ainda ganhou o título de marquês! Grande parte dos negócios do conde de Assumar foram feitos por meio de procuradores (que, em linguagem de hoje, talvez seriam chamados de “testas de ferro” ou “laranjas”). Eram eles que, valendo-se da proximidade com o governador, intermediavam a compra e a venda de lotes e lavras de mineração nas quais privilegiavam sócios e parentes—tudo mediante um generoso pagamento de propinas. Um desses procuradores, Matheus Collaço, era também o responsável por negociações de africanos escravizados em nome do conde.”



Para fugir à escorchante carga tributária imposta pela Coroa, o contrabando era generalizado.” (…) “em 1701, apenas 36 pessoas pagaram o quinto real sobre a extração de ouro em Minas Gerais. No ano seguinte, menos ainda: só uma única pessoa. Em 1703, os contribuintes aumentaram para onze. Esses números eram irrisórios, levando em conta que a população estimada era de 30 mil habitantes”.

“A punição para os contrabandistas era drástica: prisão, confisco de todos os bens e deportação para a África ou para a Índia. Criou-se também um sistema de “delação premiada”, pelo qual quem denunciasse algum contrabando teria direito a receber metade dos bens confiscados. Se fosse cúmplice, a pena lhe seria perdoada. O escravo que denunciasse um senhor contrabandista receberia imediatamente uma carta de liberdade emitida pelo rei de Portugal, além de parte dos bens do infrator. Mas é claro que a medida nunca foi posta em prática.”




“O exemplo de cima era seguido pelos de baixo. A historiadora Maria Helena P. T. Machado observou que, em um Brasil em que todo mundo roubava e trapaceava, era natural que o comportamento fosse abraçado pelos escravos,”

“O inglês Henry Koster, durante sua estada em Pernambuco no começo do século XIX, anotou expressão semelhante corrente entre os escravos: “Furtar do senhor nam he furtar”.”

“Não é a ignorância que embaraça a execução, mas sim o maldito interesse, pois que, entrando o negócio, é infalível a dependência, a intriga, a parcialidade e as grandes injustiças, a ociosidade e as queixas; as ordens não se executam e tudo vai perdido”.


22 de setembro de 2022
vespeiro