quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

FINAL DE ANO... O RAMERRÃO DE SEMPRE, ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM.


Agora é repetir as eternas promessas: parar de fumar, entornar moderadamente, fazer dieta de 1500 calorias (ou até menos... 1200, quem sabe?) -- e outras tantas fantasias que alimentam as mentirinhas nossas do novo ano que chega, grávido de tantos desejos silenciosamente perpetrados nos adros das igrejas, nas mesas dos bares, nos bancos das praças, ou simplesmente no silêncio do quarto.
A sensação de que podemos vencer os velhos hábitos, que teimam em continuar grudados em nós, chega a cada ano que milagrosamente atravessamos, já que a vida é frágil. Surge da escuridão e mergulha nela após um lapso de tempo.
Mas como super-heróis estamos sempre prontos para a batalha imaginária contra os nossos vícios, amigos íntimos, que partilham as nossas esperanças de abandoná-los.
E a cada ano que chega, que nos surpreende mais velhos, renovamos a batalha contra os moinhos de vento, tal qual um Dom Quixote. 
Brilham os nossos olhos, enquanto os fogos espocam num céu azul-marinho, iluminando miríades de pequenas fagulhas, estrelas dançantes que nos arrancam sorrisos.
Os tim-tim das taças brindando o novo ano, brindam também os nossos ocultos desejos de que seremos também novas pessoas, livres, leves e soltas.
Depois... Bem, depois acordamos ressaqueados dos excessos, e mal nos lembramos do super-herói que a meia-noite, entre os brindes e os abraços, fariam nascer a renovação.
Ano após ano, continuamos a acreditar que Papai Noel existe e nos dará o presente da transformação, e seremos então o que sempre sonhamos ser, vencendo aquela anedota de mau gosto, que nos diz se "gostaríamos de ser o que nós pensamos que somos...".
Enquanto isso, melhor deixar para o próximo ano as tão desejadas mudanças... Ai que ressaca!!!
m.americo

O FRADE E O DEMÔNIO

 


Contos Ancestrais - A Capela do Frade e o Demônio
 
Em uma pequena aldeia europeia, situada nos alpes franceses, há a mais alta concentração de pessoas com mais de cem anos do planeta e quase não se registram mortes por doenças ou acidentes. A população local diz que tudo isso está ligado a uma lenda muito antiga (dizem que da época da Peste Negra na Idade Média) cujos fatos são negados veementemente pela Igreja (ou assim Ela afirma) e ignorados por quase todos os turistas que visitam aquele lindo e pacato aglomerado de construções encravadas numa das mais lindas paisagens que você pode esperar ver.
Os mais moradores da pequena aldeia, ouviram a história (que eles juram ser verdadeira) de seus pais e avós que, por sua vez, a ouviram de seus próprios ancestrais e dos mais ilustres anciãos da aldeia alpina.
A narrativa, que mais tarde se tornaria lenda, tem início pelos idos de 1.349 quando toda a França estava tomada pelo flagelo da Peste Negra e a morte ceifava tantas vidas que o maior cirurgião da época, Guy de Chauliac (médico do Papa Clemente VI), deixou um relato impressionante dos acontecimentos: “A grande mortandade teve início em Avignon em janeiro de 1348. A epidemia se apresentou de duas maneiras. Nos primeiros dois meses manifestava-se com febre e expectoração sanguinolenta e os doentes morriam em três dias; decorrido esse tempo manifestou-se com febre contínua e inchação nas axilas e nas virilhas e os doentes morriam em cinco dias. Era tão contagiosa que se propagava rapidamente de uma pessoa a outra; o pai não ia ver seu filho nem o filho a seu pai; a caridade desaparecera por completo. Não se sabia qual a causa desta grande mortandade. Em alguns lugares pensava-se que os judeus haviam envenenado o mundo e por isso os mataram”.
Dizem os anciãos que nesta época a pequena capela terminara de ser construída pelos monges beneditinos que migraram da Itália e resolveram se estabelecer ali para fundar um monastério. Mas, infelizmente com o avanço da epidemia de peste que assolava o local, a maioria deles morreu durante a construção ou logo depois da conclusão das obras. A capela, que daria origem ao monastério, jamais deixou de ser uma singela capela de pedra e madeira; parecendo destinada a permanecer fechada e abandonada por falta de monges ou padres que aceitassem a indicação para levar conforto e luz aquela comunidade sofrida.
Durante meses, o único habitante da pequena capela era um menino franzino e imundo, que absolutamente nenhum aldeão conhecia ou reivindicava como parente. Mesmo diante de tantas mortes e de tanto desespero, a figura do estranho menino – saído de lugar nenhum – era motivo de discussões, fofocas e maledicências entre os aldeões. Isso, é claro, entre um ou outro lamento, imprecação ou blasfêmia gritada por eles enquanto morriam devorados pela peste.
Em pouco tempo, a figura do menino na capela passou a ser vista como algo sobrenatural e envolto em mistério. Os poucos que ousaram se aproximar dele, mesmo para oferecer carinho, comida e atenção; rapidamente adoeciam e morriam padecendo dos mais horríveis efeitos da praga.
Quando grande parte da população já havia sido dizimada pela peste; uma figura encurvada, baixa, com a pele levemente macilenta e mancando de uma perna chegou às portas da pequena aldeia, vindo do vale logo abaixo.
Era noite; uma noite escura e fria como os braços da morte. O vento soprava violentamente, vindo do coração dos alpes, e feria os que se aventuravam longe de algum abrigo aquecido como se fosse um açoite gelado e impiedoso. Os que ainda viviam naquele lugar maldito nem notaram sua chegada. Apenas os três condenados obrigados a trabalhar dia e noite, desocupando as casas dos mortos removendo os cadáveres que se amontoavam nas habitações, o viram chegar e se instalar na pequena capela.
Por isso mesmo, quase todos se surpreenderam quando a manhã chegou e se depararam com aquele homem de aparência tão insignificante e doentia varrendo o interior da pequena capela, enquanto era observado com evidente curiosidade e contrariedade pelo menino.
O velho coxo se aproximou dos aldeões e os convidou, com um sorriso cativante, a entrar na capela:
- Venham meus filhos. Venham rezar para que Deus nos livre do Flagelo Negro. A Casa de Deus está aberta para todos; basta que entrem, se acomodem, se arrependam de seus pecados e renunciem ao mal.
A pequena multidão que já se aglomerava às portas da capela fez menção de entrar, mas se deteve ao receber um olhar zangado do menino. Do meio daquela gente toda, uma voz anônima gritou quase como se suplicasse por socorro:
- Quem és tu velho? Como chegastes aqui? Se veio de Deus expulsa esse fedelho maldito para que possamos entrar.
O frade respondeu, com o mesmo sorriso cativante:
- Meu nome é Irmão Darius. Sou um frater franciscano vindo dos arredores de Assis. Meus superiores relutaram em me entregar este posto. Só quando revelei ser a ordem de um anjo, vindo até mim num sonho, eles deixaram que eu viesse – Diante do silêncio de todos, continuou – Quanto a expulsar alguém da capela… sinto não poder fazer isso. Todos são bem-vindos na Casa de Deus. Seja quem for e venha de onde vier.
A turba continuou vociferando e xingando o pobre garoto, enquanto se afastavam recusando-se cruzar o limiar da entrada e a pisar no interior da capela.
O velho frade simplesmente sorriu e deu de ombros. Continuou varrendo o chão e limpando os bancos da capela como se nada tivesse acontecido. Em dado momento, aproximou-se do menino e perguntou-lhe se estava com fome. O garoto fez que sim com a cabeça e, sem dizer uma única palavra de agradecimento, esticou os braços para apanhar o naco de pão e de queijo que o frade retirara de um pequeno farnel repousado num banco próximo.
 
Contos Ancestrais - O Frade e o Demônio
 
Em silêncio, ambos comiam e se encaravam como se fossem oponentes se estudando antes do combate. O velho frade, ao contrário do menino, mantinha seu semblante sereno e seus lábios levemente apertados em um sorriso amistoso e cheio de uma compaixão sincera. Em dado momento, o velho resolveu falar direta e sinceramente ao menino:
- Sei quem tu és é e o que fazes aqui. Mas, não tenha medo. Fui mandado para te ajudar.
O menino continuou comendo em silêncio.
- Você acha que punir ou atormentar essa pobre gente supersticiosa e ignorante vai representar alguma vitória para você? Sua incapacidade de compreender que o mal causado aqui, apenas aumenta ainda mais sua angústia e seu desespero e jamais lhe permitirá sentir qualquer satisfação ou amenizará a dor que sente – continuou o velho como se falasse com uma criança birrenta – por estar preso às trevas que tanto odeia. Arrependa-se, fale comigo e se liberte da escuridão de uma vez por todas. Nosso Pai te espera de braços abertos há muito tempo.
Por um instante o menino continuou impassível. Mas, numa explosão de raiva, ele olhou diretamente para o velho frade. Seus olhos estavam dilatados e avermelhados, transparecendo uma fúria ancestral imprópria a uma criança tão jovem. Sua voz soou grave, poderosa e encheu a capela com um misto de raiva incontida, desejo assassino e o mais puro desdém:
- Quem pensa que és, velho? Me toma por um reles maldito que se curva diante de seus encantos recitados e de sua baboseira cristã? Tu apodrecerá e sucumbirá a peste, como todos os outros, enquanto eu me alimento de sua dor e de suas blasfêmias inúteis. Não conseguirá me destruir e nem me devolver ao Abismo. Eu estava aqui antes do seu Mestre escravo e ainda estarei neste mundo muito tempo depois dele ter sido esquecido.
O velho frade manteve o sorriso e, com tranquilidade e fé inabaláveis, sussurrou junto ao ouvido do menino:
- Sei muito bem quem és criatura. Tu és o Terceiro dos Três. O Príncipe dos Demônios. O senhor das Moscas e da Pestilência – e, para surpresa do “menino”, sentenciou gravemente – Tu és Belzebu, o que se curva apenas diante de Lúcifer e de Satan.
Tendo sido exposto em sua verdadeira identidade, mostrou-se surpreso ao ouvir seu nome proferido pelo frade – “Como sabes o meu nome sem que me obrigues a revelá-lo? O que és tu velho? Acaso és um Sentinela (*), posto no mundo por aquele a quem chamam Jesus – o seu mestre escravo – para nos caçar implacavelmente? Vieste mesmo tentar me destruir e atormentar? Mesmo podendo perceber em ti “A Luz dos Justos” não és investido com o poder do Sentinela. Tua real identidade me escapa. Iguala as vantagens e revela-te, de uma vez por todas, espírito luminoso que me persegue” – Falou quase atropelando as palavras e refletindo uma profunda irritação.
O frade não se conteve e riu gostosamente, diante do medo exalado por criatura tão poderosa. Quase sem fôlego; abraçou o demônio ainda na forma do menino e, rindo a valer, pediu que ele se acalmasse: “Não. Nada tenho a ver com um Sentinela. Não vim aqui perseguir-te. Vim apenas conversar contigo; ouvir teus lamentos; tuas dores e oferecer o refrigério que buscas. Estou aqui porque a Casa do Pai é feita para o pródigo; para o pecador; para o imundo e para aquele que cansou de praticar o mal. Estou aqui por você irmão”.
O demônio emitiu um rosnado e depois, completamente transtornado, uma série de maldições que o frade foi incapaz de entender; deu as costas ao velho e resmungou mais irado ainda: “Como te atreves a chamar-me de irmão, reles criatura de carne? Tu serás pó muito antes de eu libertar essa aldeia ou me curvar a tua vontade ou a do escravo a quem chamas de mestre”.
Do lado de fora da pequena capela, os gritos, os urros, as maldições e o enorme barulho que vinha do interior da construção – além de um fedor indescritível – podiam ser ouvidos e sentidos por toda a aldeia. Esquecendo-se de seus sofrimentos por algum tempo, os aldeões se acotovelavam diante da capela e dispensavam sua total atenção ao estranho diálogo que se desenrolava no interior do prédio. Sentados no chão, empoleirados em galhos, de pé na rua ou ajoelhados e unidos numa prece fervorosa, prestavam máxima atenção a cena inusitada e pediam a Deus que os livrassem daquele mal e libertasse o povo da pestilência e daquele demônio tão poderoso.
Conta a lenda que aquela estranha e decisiva conversa se estendeu pela manhã; invadiu a tarde e ultrapassou a noite chegando até a madrugada. O poderoso demônio e o frágil frade franciscano duelando filosoficamente numa batalha entre o bem e o mal como nunca havia sido visto ou sabido antes. Em dado momento, pouco antes do raiar do sol, todos puderam ouvir o velho frade dizer:
- Nosso amado Pai me enviou para oferecer-te a paz e um lugar no Paraíso. Basta que renegue o mal e se arrependa. A mim foi dada a autoridade de mostrar-te um caminho para a luz e de mim tens a esperar apenas uma palavra amiga, compaixão e a amizade pura. Seja qual for a tua escolha neste momento; saibas que aqui sempre terás um refúgio e um abrigo. Velarei por teu retorno e pelo teu arrependimento. Assim como aqueles que virão depois de mim e te aguardarão de braços abertos, com os corações repletos de perdão e a promessa de paz garantida. Lembra-te de que é para seres como tu que a Palavra foi dita.
O demônio, ainda habitando o corpo do menino, dirigiu-se ao velho frade em um tom comedido e cheio de respeito genuíno:
- Velho; se houvessem mais homens como ti, nós estaríamos nos curvando a vontade dAquele que nos baniu do Paraíso por nossos crimes. Tu és justo e bom. A Luz resplandece em ti com poder além do imaginado. Mas, nada fiz de que me arrependa e nada tenho de que me envergonhar. Sou o que sou e construo a obra para a qual fui comandado – e ainda falando com o velho frade, mas erguendo-se e se voltando para a multidão que assistia a tudo, completou – Como resposta a tua bondade, a tua fé e a tua gentileza comigo, de hoje em diante esta aldeia estará livre da pestilência e da morte prematura. Nem eu, nem meus irmãos voltaremos a pisar nesta terra enquanto o sol bilhar e a lua percorrer o horizonte.
Dizendo isso, assumiu sua verdadeira forma grotesca; curvou-se em direção ao frade e sussurrou algo em seus ouvidos para, em seguida, desaparecer no ar tão misteriosamente quanto surgiu.
Imediatamente, todos os que estavam doentes ficaram curados. As dores, os lamentos, as blasfêmias e as feridas pútridas foram silenciados e curados. Um suave perfume de rosas tomou conta da pequena capela onde o velho ainda estava sentado em um banco. Um sorriso iluminava seu rosto e lágrimas rolavam por sua face. Os aldeões invadiram aquele solo, agora santificado, e perguntaram ao velho frade o que o demônio sussurrara em seus ouvidos.
Chorando copiosamente, o frade franciscano voltou-se para os que o interrogavam e respondeu:
- Ele disse que um dia, quem sabe, talvez fizesse o que eu lhe pedira.
Desde aquele dia, ninguém mais adoeceu ou morreu antes de seu tempo, naquela fria aldeia perdida no meio dos Alpes Franceses.
 
31 de dezembro de 2014
Arthurius Maximus

HOMEM DA CASA

homem da casa

Toda mulher já sonhou, um dia, em ser secretária, bailarina ou aeromoça. Essas profissões são o trivial básico dos sonhos de menina moça – e são os correspondentes cor de rosa do sonhos de menino: astronauta, bombeiro e piloto. Na idade adulta, bombeiros passam a ser fantasias mais ligadas ao universo feminino, mas isso já é assunto para outro texto.
Eu estava justamente pensando sobre as fronteiras dessas fantasias erótico-inocentes, sobretudo a das meninas, quando um amigo me chamou para cobrir as férias da sua secretária, já que o salário de jornalista do Facebook não estava dando nem para pagar a conta de telefone. Aceitei a proposta na hora, mesmo sem fazer ideia de como abrir uma planilha de Excel. Moça bem criada, inglês fluente. Pronta para escrever todas as cartas que o chefe solicitasse, incluindo as que ele quisesse mandar para a esposa, no aniversário de casamento ou quando estivesse querendo livrar-se de qualquer tipo de culpa monogâmica.
Estava claro que rolava uma tensão sexual forte ali, uma espécie de cabo de guerra. 30 dias muito úteis de uma deliciosa tortura. Nenhum dos dois queria perder a pose ou dar o braço a torcer. Muito teríamos a perder. E nada, absolutamente nada é mais excitante do que essa sensação de privar-se. Aliás, é sim: imaginar que um cara vai comer a mulher dele pensando em você. Isso é quase mais excitante do que dar para ele. Duas pessoas absolutamente sedentas, passeando pelo deserto, com duas garrafas d’água, muito bem lacradas, no bolso. Só quem tem culhão para abrir as garrafas é o homem da casa.
Homem de família, bom marido, bom pai, bom comportamento, bom filho [Não. Bom filho não vale. Deixa o cara com pinta de gay e não é esse o caso]. Enfim, que Freud me explique o que faz uma mulher se sentir tão atraída por um relacionamento claramente fadado a dar encrenca. Coisas do Cristianismo, talvez. A segurança, o pai, o homem da casa, o plano de saúde, a proteção divina, as férias no estrangeiro, o crime, o castigo, tudo num falo só. Saliva e nó.
O homem ‘de bem’ é um perigo. Ele apresenta a placa do ‘pare’ justo na hora em que você imagina que ele vai perder o controle da direção. Ledo engano. Ele comanda equipes, dita regras, é um tanto sádico e definitivamente carismático. Como ficam lindos, esses ‘monstros’. É o poder misturado com o ‘não poder’, no sentido proibitivo, que torna esse homem uma tentação. Perdendo a concentração. Isso pode parecer um roteiro de pornô de última, um clichê – porque nada é mais clichê do que a trepada do chefe com a secretária, com a provável exceção da trepada da dona de casa [possivelmente mulher do chefe] com o encanador. Que seja clichê, desde que bem executado.
Essa tensão entre os chefes certinhos [com um mundo de coisas a perder e apenas uma espetacular noite de sexo a ganhar] e as funcionárias doidas para dar para eles fica evidente em situações provincianas e patéticas como as insuportáveis festas de final de ano ou eventos da firma. Uma vez fomos levados ‘pela empresa’, para ver a peça ‘A Casa dos Budas Ditosos’. O delicioso chefe ganhou 20 ingressos e convidou quem ele queria. Todo mundo animadinho. Pois, apesar do conteúdo explícito do texto da peça, não deixava de ser um evento da firma. E os desvairados só sabiam que estavam indo assistir um monólogo da Fernanda Torres. Ninguém ali sabia quem era João Ubaldo Ribeiro. Durante o espetáculo, metade da plateia ri, de nervoso; metade fica ruborizada. Dois dos primatas [eu e o chefe], no melhor estilo “O Macaco Nu”, de Desmond Morris, ficam excitados até o talo e trocam suspiros. Sentados lado a lado, sem mover um dedo, fazendo de conta que os assentos foram escolhidos ao acaso, senti meu coração batendo no meio das pernas dele. É nessa hora que a gente consegue resgatar sensações mais deliciosas do que qualquer droga. É nessa hora que um descobre que terapia, remédios controlados e maturidade não funcionam. É nessa hora que um é capaz de gozar com o toque do outro. Isso, que fique bem claro, antes de gozar. Porque depois, já era.
Essa é uma dica quase profissional: existem dois homens diante de você, sempre. Um pré e um pós. E no pós, nem sempre eles são muito gentis, por mais educados que sejam. É no pós que bate o alívio misturado com arrependimento, medo, desejo, raiva, tudo misturado. E, quando isso acontece, o homem da casa faz exatamente o que se espera dele, noite após noite: ele volta pra casa.

31 de dezembro de 2014
silvia pilz

MENTES PERTURBADAS

 

Mentes perturbadas
 
O ódio nunca desaparece enquanto pensamentos de mágoa forem alimentados na mente. Ele desaparecerá tão logo esses pensamentos de mágoa forem esquecidos (Siddharta Gautama).
Se o telhado for mal construído, ou estiver em mau estado, a chuva entrará na casa; assim, a cobiça facilmente entra na mente, se ela é mal treinada ou está fora de controle.
Um fabricante de flechas tenta fazê-las retas; um sábio tenta manter correta a sua mente.
Uma mente perturbada está sempre ativa, saltitando daqui para lá, sendo de difícil controle; mas a mente disciplinada é tranquila; portanto, é bom ter sempre a mente sob controle.
Aquele que protege sua mente da cobiça, ira e da estupidez desfruta da verdadeira e duradoura paz.
Proferir palavras agradáveis, sem a prática das boas ações, é como uma linda flor sem a fragrância. A fragrância de uma flor não flutua contra o vento; mas a honra de um homem transparece mesmo nas adversidades do mundo.
Numa viagem, um homem deve andar com um companheiro que tenha a mente igualou superior à sua; é melhor viajar sozinho do que em companhia de um tolo.
Um amigo insincero e mau é mais temível que um animal selvagem; a fera pode ferir-lhe o corpo, mas o mau amigo lhe ferirá a mente.
Ser tolo, e reconhecer que o é, vale mais que ser tolo e imaginar que é um sábio.
O leite fresco demora a coalhar; assim, os maus atos nem sempre trazem resultados imediatos. Estes atos são como brasas ocultas nas cinzas e que, latentes, continuam a arder até causar grandes labaredas.
 
31 de dezembro de 2014
Desconheço a autoria.

LIDANDO COM A RAIVA

 

Lidando com a raiva
 
No livro “A Arte de Lidar Com a Raiva”, o Dalai Lama conta um historinha muito sábia.
Um eremita vivia sozinho nas montanhas. Certo dia, um pastor passou pelo refúgio do ermitão e perguntou-lhe o que estava fazendo ali no meio do nada. O eremita respondeu:
- “Estou meditando sobre a paciência”.
Silêncio.
Passado um bom tempo, o pastor virou-se para ir embora e gritou:
- “Ah, antes que eu me esqueça, vá para o inferno!!!”
E, imediatamente, o eremita, furioso, replicou:
- “Ora, vá você para o inferno!!!”
Rindo, o pastor seguiu seu caminho, não sem antes lembrar ao solitário que a paciência precisava antes de tudo ser posta em prática!
Esta história traz verdades profundas escondidas atrás de uma aparente simplicidade. Primeiro, ficamos sabendo que nossa paciência e tolerância estão sendo testadas a cada passo que damos.
Vamos lá, confira você mesmo as chances que teve hoje de estourar com alguém ou com alguma coisa! A raiva do ermitão nos faz perceber também que a paciência não é virtude que se desenvolva na solidão. Ao contrário, ela nasce do convívio.
Um rabino disse certa vez:
- “Não existe desenvolvimento espiritual fora do mundo. A gente precisa ser sábio aqui no meio dos homens, vivendo com eles, sofrendo com eles. Pular fora é fácil, mas não é para isto que estamos aqui!”
Conclusão: você pode ficar anos sem ver nenhuma criatura nem sofrer nenhuma contrariedade. No minuto em que você puser os pés no mundo de novo, os gatilhos que fazem detonar sua raiva vão estar lá, ao alcance do seu dedo.
Lidar com a raiva. Será possível? O Dalai Lama explica que a paciência e a tolerância “derivam da capacidade de permanecer firme e inabalável, de não se deixar sufocar pelas situações ou condições adversas”.
Nada a ver com sinais de fraqueza, passividade ou falta de entusiasmo. Coisas de gente débil, que aceita tudo. Não. Ao contrário, paciência e tolerância são sinais de força de caráter.
- “Pessoas que exercitam a tolerância e a paciência”, adverte o Dalai Lama, “mesmo que vivam em um ambiente agitado e estressante, conseguem manter a calma, a serenidade e a paz de espírito”.
Repararam no verbo exercitar? É isso mesmo, estes estados de alma são alcançados se você se acostumar a praticá-los. Simplesmente. Praticar a paciência, no entanto, seria um exercício vazio, se não fosse a compaixão. É ela que dá força e razão de ser para nossa vontade de melhorar e de contribuir para um mundo melhor.
- “A compaixão pode ser aproximadamente definida como um estado da mente que é não-violento, não-prejudicial, não-agressivo”, avisa o Dalai Lama, e completa: “nós possuímos, de forma inerente, este potencial ou base para a compaixão, assim como a natureza humana básica e fundamental é a gentileza”.
E, para começar, vou pegar estes dois versos do “Guia para o Modo de Vida do Bodhisattva”, do sábio Shantideva, para pendurá-los na porta da minha geladeira:
-“Qualquer coisa que me aconteça não vai perturbar minha alegria mental. Por me fazer infeliz, não realizarei o que desejo e minhas virtudes não vão definhar.”
“Por que ser infeliz com alguma coisa que a gente pode consertar? E de que adianta ser infeliz com algo que não é possível remediar?”
 
31 de dezembro de 2014
By Dalai Lama.

IMAGINA NA SUÉCIA



O paraíso mora ao lado
 

O verão “espetacular”, com picos de temperatura que ultrapassaram os 25 graus centígrados, se insinuou pelo outono e reforçou as gorjetas dos garçons de Oslo. Tudo muito incomum, inclusive pelo fato de que esses rapazes e moças são majoritariamente suecos. E não só eles. Vagas no comércio varejista, nos serviços e até na pujante indústria pesqueira norueguesa vêm sendo ocupadas por cidadãos do país vizinho, onde a taxa de desemprego ronda os 9% – contra meros 3,5% na Noruega.

Pierre Sjalin deixou Karlstad, 260 quilômetros a oeste de Estocolmo, há seis anos, logo depois de concluir o ensino médio. “As perspectivas aqui pareciam melhores”, explicou o jovem de 25 anos. Em Oslo, ele trabalha como vendedor de uma multinacional de vestuário. Dois anos de emprego foram o bastante para que comprasse um apartamento. Voltar à Suécia nem lhe passa pela cabeça. “Meus amigos todos também se mudaram. Sinto falta da família, mas ganho 380 mil coroas norueguesas (140 mil reais) por ano. Posso visitá-los.”
Segundo o governo norueguês, há 50 mil imigrantes suecos em Oslo, uma das poucas capitais europeias com menos de 1 milhão de habitantes. Como em qualquer metrópole globalizada, veem-se pessoas de toda parte, inclusive de países pobres. A novidade são escandinavos deixando a terra natal por ocupações de menor qualificação.

Nunca antes na história da Suécia (renda per capita: 57,9 mil dólares) registrara-se algo parecido. O país que, no Brasil (renda per capita: 11 mil dólares), é metáfora de paraíso social-democrata não chega a aparecer mal na foto, mas já viveu dias melhores. A entrada na União Europeia, há dezenove anos, coincidiu com o apogeu econômico sueco. De lá para cá, a situação ficou um pouco pior.

Seus vizinhos a oeste (renda per capita: 100 mil dólares) foram consultados em dois plebiscitos e, ainda que por margem estreita, preferiram manter distância da Eurolândia. Os noruegueses haviam encontrado reservas gigantescas de petróleo no mar do Norte, e o que já era um idílio socioeconômico tornou-se paroxismo: 5 milhões de almas, o maior Índice de Desenvolvimento Humano do mundo, dinheiro sobrando no fundo soberano e, de vez em quando, até um verão para chamar de seu.
 
“Paira a impressão de que os jovens noruegueses não querem mais trabalhar porque acham que não precisam”, disse Gard Sveen, consultor do Ministério da Defesa da Noruega e autor de O Último Peregrino, romance policial que será lançado no Brasil em 2015. “Em parte é verdade. Os pais enriqueceram tanto que muitos não trabalham – não porque estudem, mas porque preferem viver no vai da valsa”, disse.

Na busca por empregos em Oslo, os imigrantes suecos levam vantagem. Além das semelhanças linguísticas e culturais com os vizinhos, são qualificados e, em geral, mais polidos do que o norueguês médio, cujas maneiras assaz “objetivas” – uma secura que flerta com a rispidez – podem soar descorteses. “Não há quem reclame dos suecos”, disse Sveen.

“Existe uma cultura profissional mais sólida na Suécia”, atestou Karina Jämtoft, natural de Estocolmo e gerente de um restaurante de frutos do mar em Oslo. Ela não emigrou por razões econômicas – casou-se com um norueguês e tem um filho de 11 meses –, mas, tal como o vendedor Sjalin, não pensa em voltar. Karina não declinou quanto ganha, mas contou que os garçons faturam em torno de 5 mil coroas (quase 2 mil reais) por semana, sem contar as gorjetas. É o bastante para um mês frugal na cidade mais cara do mundo segundo o Índice Big Mac, que mede o poder de compra em relação ao dólar.

Na Suécia e na Noruega não há um salário mínimo definido por lei – cada categoria faz seus acordos coletivos. Os impostos podem passar de 50%, e a contrapartida são serviços públicos de excelência. O dinheiro que se ganha é usado para, por exemplo, viajar. Karina já tinha rodado o mundo com o marido – então namorado – antes de baixar acampamento na terra dele.

O reverso da bonança para os suecos é o enxugamento de vagas especializadas e temporárias para os noruegueses. O sommerjobb, marco da iniciação dos jovens nativos no mercado, já escasseia; até vagas de enfermeiros vêm sendo preenchidas por médicos suecos. Com a economia de vento em popa, isso pode ser um detalhe com o qual nem cabe se preocupar.
“Mas eu meio que me preocupo”, disse a norueguesa Aina Berg, de 28 anos. Formada em educação física, ela ralou durante anos em diferentes bicos. Agora que concluiu o mestrado em psicologia do esporte, não pretende renovar o aluguel até conseguir um emprego fixo. Em último caso, cogita retornar para a casa dos pais em Molde, cidade costeira de 26 mil habitantes.

Enquanto estudava, Aina recebeu bolsa do governo. Tinha um padrão de vida superior ao da classe média brasileira. “Eu fiz escolhas: vendi o carro porque era caro mantê-lo e, em vez de sair à noite, preferi economizar para viajar”, contou. Só neste ano foi a dois resorts no Mediterrâneo, o último deles all inclusive.
 
Há um componente simbólico no fato de os noruegueses estarem hoje por cima do salmão defumado. Neste ano, celebraram-se 200 anos da constituição própria da Noruega. Historicamente, o país foi o patinho feio da Escandinávia: mais empobrecido, mais religioso, mais rural e menos industrializado.
O oposto da Suécia, cuja “neutralidade” na Segunda Guerra não a impediu de consolidar seu parque industrial exportando armas para os nazistas, a quem abriu o território para que ocupassem o vizinho – uma cicatriz na relação bilateral. Mas a roda da história girou. “Já não temos mais medo do nosso irmão mais velho. Crescemos e o encaramos de igual para igual”, resumiu o norueguês Sveen.

Enquanto embrulhava as roupas de uma cliente, Pierre Sjalin parecia alheio a tais refregas geopolíticas. Disse que um dia pretende ingressar na universidade, mas não tem pressa. Como a diferença de classes virtualmente inexiste na Noruega, a situação poderia muito bem ser inversa: ele no papel de freguês. “Me sinto muito bem fazendo o que faço.”

31 de dezembro de 2014
Leonardo Pinto Silva, Piauí 98