terça-feira, 21 de julho de 2015

EM 10 ANOS, BRASIL PODE TER 75 MILHÕES DE CRIANÇAS OBESAS

UMA EM CADA TRÊS CRIANÇAS ENTRE 5 E 9 ANOS ESTÁ ACIMA DO PESO

OS OBESOS ENTRE OS MENINOS CHEGAM A 16,6%, E AS MENINAS SOMAM 11,8% FOTO: ARQUIVO EBC


O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério da Saúde, fez estudo que revelou que uma em cada três crianças entre 5 e 9 anos de idade está acima do peso recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os obesos entre os meninos chegam a 16,6%, e as meninas somam 11,8%. Se nada for feito para mudar esse quadro, a OMS estima que, até o ano de 2025, haja 75 milhões de crianças com sobrepeso e obesidade no Brasil.

Um dos fatores que leva a obesidade entre crianças e adolescentes é o consumo de fast-food. De acordo com a gastróloga do CEAV Jr., Vanessa Prado, para introduzir a alimentação saudável na rotina das crianças é necessário que os hábitos comecem desde cedo, e a escola tem papel fundamental.

“Uma das propostas que desenvolvemos na instituição é que os pequenos participem da elaboração de receitas de fácil compreensão e de manuseio rápido, por isso implantamos o projeto ‘Cozinha Experimental’. As crianças colaboram no preparo de doces de abóbora e de batata doce, além de brigadeiro de cenoura. Gelatina de beterraba e sucos em geral também estão incluídos na lista de lanches”, diz Vanessa.

A gastróloga reconhece que é difícil fazer as crianças trocarem as batatas fritas por brócolis, tomate e alface. A solução, segundo ela, está nas cores dos alimentos: o prato deve ser o mais colorido possível.

“Aos poucos os pequenos já sabem que a refeição deve ter, no mínimo, cinco cores. Algumas crianças contam que nunca comeram frutas, e que não gostam de legumes ou de salada verde de jeito nenhum. Mas aos poucos mudam de opinião e pedem refeições como caldo verde de mandioquinha com couve, salada de frutas, tapioca, sucos naturais e espinafre refogado com cenoura”, afirma Vanessa.

O projeto ‘Cozinha Experimental’ é realizado em espaço próprio para a preparação dos pratos.

“Na preparação das ‘bolachinhas amanteigadas’, por exemplo, cabe aos pequenos picar o chocolate. Já as professoras ficam com a tarefa de usar o fogão para derreter o chocolate e assar os biscoitos no forno. O forno, o microondas e o fogão ficam longe do alcance dos alunos”, explica Vanessa, que acrescentou: “Na escola fazemos nossa parte e precisamos que os pais ajudem oferendo alimentos saudáveis em casa também. A beterraba, por exemplo, pode ser inserida em diversas refeições, como com arroz, no suco, na gelatina e refogadinha com outros legumes. É importante que as crianças aprendam a gostar de sabores saudáveis”.



21 de julho de 2015
diário do poder

BEATLES À CARBONARA



Uma cantina que tem dois Lennons



Jonh Lennon tinha até algum talento para a música. Tocava trompete na orquestra da cidade, a pequenina São Miguel, de 23 mil habitantes. Mas, quando o ousado projeto de estabelecer uma filarmônica no interior do Rio Grande do Norte foi interrompido, ele não pensou duas vezes e pegou a estrada. Pôs os pés em São Paulo pela primeira vez aos 18 anos, com uma única mala na mão – e sem o trompete.

Lennon, hoje com 26 anos, tem os cabelos pretos e 1,65 metro de altura. Parece desconfiado e é sério, quase sisudo, com quem não tem intimidade. Ao deixar a música para trás, Jonh Lennon Henrique de Freitas (por engano, o pai e o escrivão trocaram as letras do primeiro nome) já tinha nova ocupação e emprego garantido na capital paulista. Foi trabalhar na tradicional Cantina Gigio, em Pinheiros, por indicação de um conterrâneo seu, Claudenício Dantas, o Dedé, garçom no restaurante.

Seis meses depois, outro Lennon chegava para reforçar o atendimento no salão. John Lennon do Rego Barros, de 23 anos, também é moreno, mas é um pouco menos tímido e bem mais alto do que o colega e ex-trompetista: mede 1,80 metro. Como se não bastasse a coincidência improvável do nome, vinha da mesma cidade, São Miguel. Chegava pelas mãos, mais uma vez, de Dedé, uma espécie de Brian Epstein – primeiro empresário e descobridor dos Beatles – do Gigio.

“Enquanto as pessoas ainda choram a morte de John Lennon, eu tenho dois aqui”, gabou-se José Ailton Gonçalves da Silva, maître da casa. Foi ele, chefe da dupla, quem tomou a primeira e óbvia providência numa situação como aquela: determinou que o precursor, mais baixo e circunspecto, atenderia pelo sobrenome, Lennon. O outro seria o John. “John porque é nome de gente alta, e Lennon de gente baixa”, argumentou, com a confiança de quem prova um teorema.

A dupla acabou ganhando fama entre os fregueses mais assíduos e se tornou uma atração à parte. “Quando descobri que nosso garçom se chamava John Lennon, achei o maior barato e até pedi uma palinha”, brincou o comerciante Rogério Nogueira dos Santos, de 65 anos, que vai à cantina pelo menos uma vez por mês comer nhoque ao molho branco com filé mignon. “O moço fica roxo, coitado; essa gente é muito tímida”, observou Marilene,professora aposentada e mulher do comerciante, balançando as pulseiras douradas.

A piada, que até rendeu risadas da primeira vez, tem sido repetida com alguma frequência. “Eles não se cansam nunca. Tipo, sério, nunca”, comentou sem tirar os olhos do iPhone 6 a neta do casal, Valentina, de 12 anos. “Imagine all the people… que vem aqui e faz essa piada com eles, coitados”, arrematou o advogado Márcio, filho do comerciante e pai quarentão da adolescente. Pelo olhar fixo da mãe e da garota depois do comentário, Márcio parece ter herdado a veia humorística do pai.



Se em São Paulo a homenagem ao músico inglês provoca um ou outro sorriso condescendente, em São Miguel o nome é bastante comum. “Só lá na escola tinha uns dez Johns Lennons. Não entendo por que aqui é notícia”, questionou John, o alto. Os pais dos garçons se tornaram fãs dos roqueiros ingleses quando uma banda se formou na cidade, entre o final dos anos 80 e início dos 90, e passou a fazer apresentações com músicas dos Beatles, além de canções da carreira solo de Lennon. O conjunto animou muitos bailes e emprestou trilha sonora para os namoros de São Miguel.

“Meus pais se conheceram enquanto tocava Imagine. Quando nasci, meu pai quis fazer essa homenagem à minha mãe”, disse John. Ele próprio não se diz fã do quarteto de Liverpool. Tampouco o seu colega de salão. “Gosto de música com letra, que faz a gente pensar, que tem uma história”, explicou Lennon, o sério. “Principalmente das que têm história de amor. Ou sofrimento.” Ele não duvida que as letras dos Beatles tenham lá seu valor – “embora eu não entenda nada” –, mas prefere mesmo ouvir Zé Ramalho ou Roberto Carlos.

John gosta do nome: “Facilita na hora de fazer amigos.” Lennon, nem tanto. O padre da cidade a princípio recusou-se a batizá-lo, sob a alegação enfática de que “isso não é nome de gente”. Acresce que havia chegado aos ouvidos do religioso a desaforada declaração do marido de Yoko Ono de que os Beatles eram “mais populares que Jesus”. Foi preciso pedir a intervenção do avô paterno, católico assíduo e amigo do padre, para que a criança pudesse ser enfim reconhecida pela Igreja.

Lennon pensa em voltar para casa. Mesmo depois de quase uma década em São Paulo, diz que não se acostuma com a cidade. De uns tempos pra cá, anda alimentando o projeto de montar um pequeno negócio em São Miguel. Mas descarta abrir uma filial da cantina paulistana no interior do Rio Grande do Norte. “O povo de lá não come macarrão como os daqui, não.” John se incomoda menos com a vida na capital paulista: “São Paulo é ruim, mas não é tão ruim assim.”

Na cantina, os xarás se dividem em dois turnos, seis dias por semana. Lennon é da “turma que abre”, considerado um benefício entre os funcionários do restaurante. Pega às 10h e fica até as 15h. Depois volta às 17h e trabalha mais três horas. John, por outro lado, é da “turma que fecha”: trabalha das 12h às 15h e das 18h até o último cliente. No intervalo entre as duas jornadas, no meio da tarde, o pessoal faz da cantina um lar improvisado. Brincam, jogam conversa fora e improvisam partidas de futebol no estacionamento. Mas o esporte preferido dos funcionários é mesmo pregar peças e fazer brincadeiras com os novatos.

Em junho, a vítima da vez era um jovem caladão, magro e de cabelo preto, em tudo parecido com John – e não à toa, já que são primos. O novo garçom também é de São Miguel. Mas esse pelo menos não tem nome de Beatle, nem de ex-Beatle ou de qualquer outro músico famoso. Chama-se John Kennedy.


21 de julho de 2015
Juliana Faddul

CORDIALMENTE CARLOS





25 anos de cartas e desencontros com Drummond de Andrade


Sentada na poltrona da sala de sua casa modesta, livro aberto no colo, Helena Maria Vicari, 68 anos, declama: Eis meu pobre elefante/ pronto para sair/ à procura de amigos. A leitura é ritmada e tensa. Vai o meu elefante/ pela rua povoada,/ mas não o querem ver/ nem mesmo para rir. Helena faz uma pausa, ajeita os óculos e passa a mão pelos cabelos tingidos de loiro claro. Mostra com elegância/ sua mínima vida,/ e não há na cidade/ alma que se disponha/ a recolher em si/ desse corpo sensível/ a fugitiva imagem... Emocionada, ela pára no qüinquagésimo sexto dos cem versos de O Elefante. Sem tirar olhos nem dedos das páginas, comenta: "Esse é o meu favorito. Me arrependo de nunca ter dito a ele".

"Ele" é Carlos Drummond de Andrade. Nos últimos 26 de seus 84 anos, Drummond trocou cartas com a professora Helena, de Guaporé, cidade de 20 mil habitantes encravada numa parte menos badalada da serra gaúcha. Ela guarda numa pasta preta, abrigadas em plástico, cerca de sessenta cartas, cartões-postais e bilhetes que o poeta lhe enviou; da correspondência dela para ele, não existe cópia. Há mensagens de Drummond datilografadas, escritas à mão, ilustradas, enfeitadas com rabiscos de canetinhas hidrocor. Ao longo das linhas e dos anos, algumas palavras se repetem: "carinho", "amizade", "gratidão", "paz", "respeitosos abraços". Mas essa relação de dezoito anos - que começou com "Desejando-lhe também um feliz Ano-Novo, com êxito nos estudos, envio-lhe o autógrafo pedido" e terminou com "Uma das alegrias da minha vida é contar com amizades fiéis como a de você, que venceu o tempo e a distância" - nunca foi além do papel. Helena e Drummond nunca se encontraram. "Pedras no meio do caminho", ela diz, sem sorrir com o trocadilho.

Helena conheceu os versos de Drummond por intermédio de Lara de Lemos, poeta e cronista doCorreio do Povo, o maior jornal do Rio Grande do Sul, a quem enviava cartas e poemas na esperança de uma palavra de incentivo. Para retribuir o esforço da jovem de 20 anos, Lara se encontrou com ela em 1960 e lhe apresentou a obra de Drummond. Helena ficou deslumbrada.

Um ano depois, cursando magistério num colégio católico, Helena ouviu de uma das freiras que Cecília Meireles seria eterna e que Drummond, moderno, cairia no esquecimento. Foi o pretexto para escrever ao herói - achou o endereço num almanaque de poesia brasileira, numa seção intitulada "Corresponda-se com os seus poetas". Nessa primeira carta, fez pouco da freira futuróloga: "Minha professora de literatura não gosta do senhor, mas eu o acho o maior do Brasil". Recebeu uma polida resposta datilografada e um cartão com autógrafo.

Helena passou a escrever sempre. Duas datas eram sagradas: a Páscoa e o aniversário do poeta, em 31 de outubro. Em 1962, ela recortou a assinatura de Drummond de uma carta para dar de presente a uma das religiosas. No ano seguinte, Drummond já se permitia algumas confissões: "Continuo sendo homem de Itabira mergulhado na confusão da Guanabara". No mesmo ano, ela viajou à tal Guanabara, com as colegas do curso de magistério. Viu o mar pela primeira vez. "Pensei em visitar o Drummond, mas ninguém quis me acompanhar e também não deixaram que eu fosse sozinha." Em uma carta, Drummond lamentou o desencontro.

Em 1964, depois de um namoro de oito anos, Helena se casou com Jurandir João Vicari, que no começo desconfiou das intenções do poeta: "Ele tinha aquela amante de muitos anos, a Lygia Fernandes. Achei que pudesse estar tentando alguma coisa com a Helena". Com o passar do tempo, o marido se acalmou: "A verdade é que as cartas sempre foram respeitosas".

O tema principal da correspondência costumava ser a própria família Vicari. O primeiro filho de Helena e Jurandir, Bagder, nasceu no mesmo dia do aniversário do poeta. Mereceu de Drummond uma quadrinha: Badger, meu pequenino companheiro/ de signo, sê feliz em teu destino / Amar, servir, cantar é o verdadeiro/ Bem de existir, sob o clarão divino. Os outros filhos, Romaine, Rayane e Glauber (por causa do cineasta baiano), e a afilhada Gisele também tiveram direito a versos drummondianos. Em abril de 1966, um poema para a cidade dos Vicari: Guaporé fica longe do Rio de Janeiro?/ Não./ Guaporé fica perto/ se na Páscoa, fagueiro,/ recebo o voto certo/ e amigo - já adivinho/ da família Vicari/ que me chega pelo ar e me envolve de carinho.

Drummond parecia satisfeito com a relação que haviam construído. Em 1970, escreveu: "Não nos conhecemos pessoalmente, e entretanto nossa amizade perdura, como uma planta viçosa, que vai se tornando árvore de boa sombra". Mas, para Helena, essa proximidade virtual não era suficiente. No ano seguinte, voltou ao Rio, dessa vez com o marido. Foram até o apartamento do poeta, em Copacabana, para uma visita surpresa. Ao chegar, descobriram que a família Drummond havia saído minutos antes, rumo a Petrópolis. O porteiro permitiu que Helena subisse até o hall do apartamento, onde ela deixou um bilhete e o presente que levara: uma espátula de prata com motivos gaúchos.

Se ela insistia em encontrá-lo, era, sim, por amizade, mas Helena tinha também uma vaidade artística e queria vê-la reconhecida. Enquanto o poeta lhe mandava quadrinhas singelas que em nada lembram o Poema de Sete Faces ou A Máquina do Mundo, Helena retribuía com versos de sua própria lavra. Drummond era econômico nos elogios. "Acho você melhor nos poemas curtos, que, aliás, são mais difíceis de fazer." "Ele elogiava, mas não deu um empurrãozinho, então eu fiquei me achando menos", conta ela, que chegou a ter um programa numa rádio local chamadoSempre é Tempo de Poesia, em que lia poemas dos outros, nunca os seus.

Passados dezessete anos desde a carta inicial, Helena venceu a vergonha e telefonou pela primeira vez para Drummond, para lhe dar os parabéns pelo aniversário de 76 anos. Nervosa, mostrou-se bem menos prolixa e mais formal do que nas cartas. "Minha filha, trate-me sem tanta cerimônia", ele disse. "Afinal, nossa amizade é antiga e o tratamento 'senhor' me faz sentir um centenário." Não se deve à memória o fato de Helena se lembrar detalhadamente do que Drummond lhe disse: assim que desligou o telefone, ela pegou um papel e canetinhas hidrográficas e registrou toda a conversa.

Enquanto seus sonhos de ser poeta não decolavam, Helena dava aulas no colégio onde estudara e criava os quatro filhos. Nem no trabalho, nem em casa falava muito das cartas. "Eu nunca tinha visto essa pasta da mãe", comenta Rayane, hoje com 34 anos. E folheia as cartas de décadas protegidas em plástico.

Quando Drummond perdeu a filha, Maria Julieta, em 5 de agosto de 1987, Helena relutou em lhe escrever. "Preferi esperar um momento em que ele não estivesse tão abalado." O poeta morreu doze dias depois. Ela se arrepende: "Talvez uma carta pudesse ter dado um alento a ele. Talvez tivesse feito alguma diferença".


21 de julho de 2015
Emiliano Urbim