sábado, 10 de setembro de 2011

ARRIGO BARNABÉ TUBARÕES VOADORES

O Dia que Arrigo Barnabé Musicou os Quadrinhos de Luiz Gê

Colaborador: André Rocha

Arrigo Barnabé, como ele mesmo diz, é um inventor. Geralmente o processo criativo (ou inventivo) não segue uma racionalidade fria e possui uma polifonia interessante. Curiosamente, as referências de Arrigo são aparentemente contraditórias: Música Erudita, Tropicália e a cultura pop (dentre outras, é claro).

Paranaense de Londrina foi para São Paulo nos anos 70 para estudar Arquitetura e Urbanismo na FAU (USP), mas não chegou a completar o curso. Se encontrou mesmo quando cursou composição no Departamento de Musica na ECA (USP). Grosso modo, isso explica suas referências: o gráfico da arquitetura, a música erudita do curso de composição e a cultura pop do tropicalismo dos anos 70.

Arrigo, no início de sua carreira estava numa pegada de transar música popular com música erudita, como conta em uma entrevista à Cristina Fonseca:

“meu trabalho está ligado às expectativas abertas pelo tropicalismo. A mistura de erudito e popular apareceu no tropicalismo. Rogério Duprat principalmente, ele iniciou uma espécie de fusão entre a música erudita, moderna e contemporânea e a música popular urbana. E eu me insiro dentro desse negócio aí, que tá ligado diretamente com o Rogério Duprat. Comecei em 1972. Em Londrina, a gente achava que, depois do avanço de Caetano, Gil, Gal, pintaria uma coisa que incorporasse de forma mais intensa as conquistas recentes da música erudita”

Quando Arrigo fala sobre as conquistas recentes da música erudita ele refere-se à música atonal e à dodecafonia de Schoenberg e do silêncio e inventividade de John Cage. Segundo ele, a bossa nova chegou até o “impressionismo musical” e a tropicália, apesar de informada sobre música dodecafônica, atonal, eletrônica, voltou-se mais para a elaboração das letras, dos textos e para a revolução no comportamento e, depois dela, em vez de evolução, houve involução. A tropicália, segundo Arrigo, em termos harmônicos e musicais, pode ser considerada um retrocesso em relação à bossa nova, salvo algumas exceções, como Araçá Azul de Caetano.

No curso de linguagem para Arquitetura Arrigo conheceu Luiz Gê. Luiz Gê já publicava seus primeiros trabalhos gráficos quando Arrigo começou a se enveredar pelas Vanguardas musicais. Tornaram-se grandes amigos. Luiz é paulistano, conhecia a cidade e guiou Arrigo pela cidade revelando os detalhes ocultos da narrativa urbana que somente São Paulo possui, narrativa essa que ele empregava em seus quadrinhos, cuja paixão contagiou o colega. Em um desses passeios Luiz Gê levou Arrigo para uma exposição de história em quadrinhos que estava no MASP que o fez se apaixonar também pelos quadrinhos. (Há quem diga que era uma exposição com as obras do Will Eisner)

">

Esses elementos foram transpostos para a obra de Arrigo também. Em seu primeiro trabalho – Clara Crocodilo – Arrigo já demonstrava a aproximação com os quadrinhos não só no projeto gráfico do disco, o qual também é de Luiz Gê, mas também na narrativa da saga de Clara Crocodilo que poderia ser, sem sombra de dúvida, uma história em quadrinhos. Clara Crocodilo tornou-se, merecidamente, um marco na história da música brasileira (e arrisco, mundial) não só por ser lançado de forma independente (ser independente nos anos 80 era completamente diferente de ser indie hoje em dia) e ser considerado porta-bandeira do movimento chamado “Vanguarda Paulista”, mas também por ser aquilo que Arrigo queria quando falava em “evolução musical” e pelo transporte da linguagem dos quadrinhos para a música.


Em 1984 após o reconhecimento e o relativo sucesso de Clara Crocodilo Arrigo assinou contrato com gravadora Ariola que deu sinal verde para produção de um novo disco, que inicialmente se chamaria Crotalus Terrificus cuja arte foi encomendada ao amigo Luiz Gê.

Um dia Luiz Gê recebeu a visita de um amigo em sua casa, onde este ao observar um pôster dos Tigres Voadores (esquadrilha aérea composta por aviadores americanos, cuja característica visual em seus aviões P-40, era uma enorme boca de tubarão pintada), deu a idéia de uma HQ protagonizada por eles, porém dentro da cidade. Imediatamente Luiz Gê estalou a idéia de ao invés de aviões, seriam tubarões, tubarões voadores e iniciou os esboços de modo tão frenético que deixou o amigo pasmo. Nos dias que se seguiram, foi-se montando o roteiro da história e acertando os detalhes, até finalizá-la.


Quando Arrigo Barnabé foi em seu ateliê para tratar sobre o disco novo, viu a HQ dos tubarões e disse: “Ah!! Luis Gê, vou musicar essa historinha e o disco vai chamar “Tubarões Voadores”. O que era um antigo projeto de ambos, fazer uma HQ com trilha sonora se concretizou naquele momento.

Medindo o tempo de leitura de cada quadrinho, Arrigo Barnabé foi musicando quadro a quadro, obtendo um resultado surpreendente, algo inédito até então. Redefinindo o nome do álbum para “Tubarões Voadores” cuja faixa-título abria o disco, manteve a HQ completa sob a forma de encarte do álbum.

Em Tubarões Voadores Luiz Gê sintetizou todo o medo e paranóia da classe média, que se tranca dentro de seus apartamentos e carros blindados se isolando dos demais habitantes, por não se sentirem seguros. Onde um passo em falso, uma janela aberta na hora errada, pode resultar em uma absurda tragédia. A HQ começa em tom de humor, evoluindo para o puro terror, onde a violência é mostrada sem glamour ou justificativa, entre cada ataque dos tubarões são mostradas cenas de violência urbana cotidianas de qualquer cidade: acidentes, mutilações, crimes, atropelamentos e suicídios. Tudo isso se encerra com a cena final de um corpo sendo dilacerado por vários tubarões sob a legenda: “Pois no coração do prudente, descansa a sabedoria”

Para transpor para a música todo esse clima de terror e medo, Arrigo Barnabé dividiu os vocais com Vânia Bastos, e introduziu a superposição de vozes e instrumentos em tonalidades diferentes para criar a percepção de profundidade do desenho, dando a ilusão de movimento. A utilização de citações musicais (ciranda, cirandinha) ajudam a dar clima à cena, e a HQ reforça a dimensão sangrenta e dolorida, tornando visualmente impossível escutar a música de maneira entorpecida.

Além da faixa-título o disco apresenta outras experimentações fantásticas com música modular, dodecafonia e demonstra a graficidade do som em outras músicas e outros personagens (“Neide Manicure Pedicure”, “Kid Supérfluo” e “Papai Não Gostou”). Há quem diga que Arrigo é difícil de ouvir, para esses, Arrigo deu seu recado em entrevista à Charles Gavin:

“Eu queria fazer uma música que provocasse também uma revolução auditiva nas pessoas; que fizesse com que a pessoa para achar que aquela música era bonita, para entender que aquela música era bonita, para entender o pensamento estético da música ela tivesse que ter uma transformação interior. Ela teria que deixar de pensar na beleza como só um produto da consonância.”

Aos dispostos a se transformar fica o conselho: ouça Arrigo Barnabé, mas antes Feche a janela Joãozinho, ou seremos comidos pelos… TUBARÕES VOADORES!

A MAGIA DO HERMETO


O Hermeto Pascoal é chamado de bruxo. A sua figura albina, com longos cabelo e barba brancos ajuda o imaginário da gente a confirmar o título. Mas é obviamente por sua música que ele é chamado dessa forma desde os anos 70. E a grande mágica de Hermeto, na minha opinião, não é a intricada progressão harmônica de suas músicas, mas a construção aparentemente simples de suas melodias. As músicas de Hermeto, quase todas, são cantaroláveis ou assoviáveis. Temas lindos, como Música das nuvens e do chão, ou o famoso Bebê, só para citar dois deles, ficam nos nossos corações por dias, depois de escutá-los. Mas digo aparentemente, porque mesmo em sua simplicidade sonora, essas melodias são complexas, contorcendo-se em sutis variações, sem matar a idéia central do tema.

Alie-se a isso a maestria harmônica do bruxo e temos aí o segredo de sua magia. Por isso, ainda hoje não consigo me comover com as performances de Tom Zé, sua batida de panelas no palco (coisa que o Hermeto fazia já nos anos 60). Sei que muitos não concordarão, mas como não entendo nada desse assunto, me aventuro sem medo pelo mar bravio. A impressão que tenho é que Tom Zé se esforça demais para soar original. É, talvez, a maldição das vanguardas, que estão sempre condenadas a inventar o novo, a anunciar o futuro, que já fica velho no momento mesmo de seu anúncio.

">

Em termos musicais, Tom Zé perde longe para Hermeto, em minha opinião. Em termos perfomáticos, perde para outros, como Walter Franco, cantando Cabeça, num dos últimos festivais; ou ainda para Itamar Assumpção e Arrigo Barnabé, estes últimos também grandiosos em termos musicais, com um estilo consistente e vanguardista.

Bem, talvez esteja sendo injusto e meus amigos músicos possam me corrigir. Afinal, só vejo Tom Zé em performances aqui e ali na TV, num Programa do Jô, ou coisa que o valha. Não compro seus discos e nem vou a seus shows. Mas do pouco que vejo na TV não sinto tesão para mergulhar em seu universo musical. Talvez, não esteja simplesmente a altura dele.

No século XVI, quando estudava música e fantasiava me tornar um artista nesse ramo, compartilhava com meus colegas o desdém pela simplicidade e a emoção. Achava que as intricadas fórmulas matemáticas do estudo harmônico me dariam a chave para fazer uma verdadeira arte. Uma arte superior à chorumela brega da música comercial, uma música só para quem tivesse condição de “entender”. Alguém que, ao ouvir minha música, dissesse: “Veja, aqui ele inverteu o acorde e colocou a nona no baixo”, ou coisa que o valha. E quanto mais mergulhei nesse mundo racional e lógico, mais fui perdendo a espontaneidade que tinha, e a sonoridade foi se esvaindo de mim, até que não sobrou nada, exceto partituras, manuais de harmonia jazzística e cadernos de solfejo. A música acabara. Vazio de sons, fui cuidar da minha vida.

Creio que esse racionalismo excessivo, que se perde do emocional, é um perigo. Quando se está nessa febre, gostamos ou deixamos de gostar de um tema musical à medida que compreendemos sua linguagem matemática, sua racionalidade. A mensagem do autor. Ao mesmo tempo tendemos a desprezar coisas simples, harmonias simples, repetitivas, pouco variadas, populares e exageradamente sonoras.

Penso que uma das grandes virtudes do Tropicalismo, sobretudo em Caetano Veloso, é a exaltação de músicas simples, bregas, melodiosas, melodramáticas. E mestres como Tom Jobim, para citar outro grande, caminham num equilíbrio entre os planos racional e emocional. Por isso, o bater de panelas no palco de Tom Zé é muito diferente daquele que faz o Hermeto.
Falando em Hermeto, estou organizando uma série de gravações caseiras de meu pai, o músico Gaudencio Thiago de Mello, feitas entre 1967 e 1972. Ele recebia os amigos em sua casa em Nova York e tudo acabava em música, que o velho registrava num gravador de fita rolo. Recentemente, sugeri a ele que passasse esse material todo para digital, num estúdio, equalizando, masterizando e o escambau.

Acabo de receber cinco CDs: O primeiro é um ensaio de 1967 do grupo que estavam montando Carmen Costa (vocal), Moacir Santos (raríssimo tocando piano), o velho no violão, e Richard Kimball, no contrabaixo. O segundo é um solo de berimbau de Naná Vasconcelos. O terceiro, é o velho, Dom Um Romão e Gilberto Gil, em 1972, com Gil mostrando Oriente e outra canção. No mesmo ano, Hermeto Pascoal mostra várias de suas canções, inclusive Bebê, com Flora Purim e Airto Moreira. Mais recentemente, em 1988, tem uma jam session na sua casa, com Claudio Roditi (trompete e piano), Romero Lubambo (guitarra), Roberto Sion (sax e piano), Nilson Matta (baixo), Barry Olsen (trombone), Gaudencio (percussão), Helio Schiavo (bateria) e Susan Davis (piano e percussão). Estou querendo propor um programa de rádio sobre isso.

Postado por ipaco