quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O IMPÉRIO DE NABUCODONOSOR


Nabucodonosor II, governou durante 42 anos o Segundo Império Babilônico. Ficou famoso pela construção dos Jardins Suspensos da Babilônia e pela destruição de Jerusalém e seu Templo



Nabucodonosor II ou Nebucadrezar ( 632 a.C.- 562 a.C.) é o filho e sucessor do Rei Nabopolasar, que fundou o segundo império babilônico (ou caldeu), sobre as ruínas do Império Assírio. Seu nome em hebraico, nebukadrezzar, é a transliteração do acadiano, Nabu-cudurri-utsur, que talvez significa “Nabu (deus) protegeu os direitos de sucessão ou minha herança”. No latim temos Nabukodenesor. Deste vem o nome em português. Houve dois reis babilônicos com esse nome: Nabucodonosor I, que reinou entre 1146 e 1123 a.C.; e Nabucodonosor II, a figura mais famosa, que é mencionado na bíblia, que reinou de 604 a 562 a.C.

Antecedentes

Após a morte do rei assírio Assurbanipal, em 631 a.C., o Império Assírio entrou em declínio, devido às revoltas dos povos dominados. O rei caldeu Nabopolassar adotou uma política expansionista, com o intuito de recuperar o antigo poder da Babilônia. Auxiliado pelo rei dos Medos, Ciaxares, combateu a Assíria e derrotou o seu exército, em 616 e 615 a. C., em Arapka. De seguida tentou apoderar-se de Assur, sem êxito, e aliou-se definitivamente aos Medos. Em 612 a. C., conquistou e arruinou Nínive.

Os territórios conquistados foram partilhados entre os dois monarcas, conseguindo a Babilônia reconstruir o seu antigo império. Durante o reinado de seu pai, Nabucodonosor fora o príncipe-herdeiro da Babilônia.


Inscrição em Tijolo faz referência ao nome de
Nabucodonosor; Foi encontrada nas ruínas da
antiga Babilônia. Datada entre 604 e 561 a.C.

Nabucodonosor casou-se em 612 a.C. com Amitis (Amu-hia), filha de Ciáxares, rei da Média. Teve pelo menos três filhos: Amel-Marduque (também chamado Evil-Meredoque), que o sucedeu no trono, Marduque-Sum-Usur e Nabu-Suma-Lisir.

Continuando sozinho as suas investidas, Nabopolassar ordenou a seu filho Nabucodonosor a conquista da Síria. O que resta do Império Assírio sucumbe definitivamente em 605 a.C. Nabopolassar empenhou-se em reprimir os intentos egípcios de restabelecer seu império no Oriente Próximo e após uma série de lutas, seu filho, Nabucodonosor, derrotou totalmente os egípcios na Batalha de Carchemish em 605 a. C.. Nabucodonosor conquistou totalmente Hati, ou seja, a Síria e a Palestina, conforme comenta o historiador Flávio Josefo. Nabucodonosor estava ocupado em guerras, quando seu pai faleceu; então voltou e foi coroado rei.

Reinado

Durante o reinado de Nabucodonosor, que durou de 604 a.C. a 562 a.C., o Segundo Império Babilônico viveu o seu período mais glorioso. Deu continuidade à época de prosperidade e hegemonia babilônicas.


Império Babilônico em seu apogeu durante o período de 604 a 561 a.C.

Nabucodonosor II expandiu seu império, conquistando boa parte da Cilícia, Síria, Fenícia e Judeia. Líder militar de grande energia e crueldade, aniquilou os fenícios, derrotou os egípcios e obteve a hegemonia no Oriente Médio.

Investindo pesado no seu exército, lutou por mais de trinta anos para conquistar os territórios da Assíria, Fenícia, parte da Arábia, Palestina, Síria e Elam, tornando-se a maior liderança do Oriente Médio da Antiguidade.

Em 604 a.C, ele começou a receber tributos da Síria, Damasco, Tiro e Sidom. Jeoaquim, rei de Judá, foi seu vassalo por três anos (II Rs 24:1; Jr 25:1). Em 599 a.C Nabucodonosor derrotou as tribos árabes de Quedar e do leste do rio Jordão (Jr 49: 28 – 33).

Em 598 a.C. conquistou Jerusalém e e levou em cativeiro um grande número de seus habitantes ( II Reis cap. 25 e Daniel cap. 1).

Entre os anos 587 a.C. e 586 a.C., os exércitos de Nabucodonosor destruíram Jerusalém. Tanto as muralhas da cidade quanto o Templo foram destruídos. O resto da cidade ficou em ruínas durante pouco mais de um século. Os sobreviventes são conduzidos para Babilônia.

Construções

Nabucodonosor protegeu sua capital, Babilônia, com linhas de muralhas dupla e um muro entre os rios Tigre e Eufrates ao Norte de Babilônia que se estendiam a vinte e sete quilômetros e meio. Um imenso lago artificial também protegia a cidade.


Ruínas dos Jardins Suspensos da Babilônia.

Nabucodonosor restabeleceu o sistema de irrigação. Havia canais que levava água do rio Tigre até o interior da cidade. Impulsionou o desenvolvimento arquitetônico com luxuosos palácios para os funcionários públicos. Entre as grandes obras que embelezaram a Babilônia, ficaram particularmente famosos os Jardins Suspensos da Babilônia (terraços jardinados construídos em pátios elevados sustentados sobre colunas para agradar à sua mulher, Amitis) e um zigurate (Torre-templo em forma piramidal com mais de 90 metros de altura) chamado incorretamente de "Torre de Babel". Reconstruiu a avenida do Cortejo, decorada lateralmente por cento e vinte leões de pedra. Essa avenida levava ao portão de Istar, adornado com tijolos esmaltados, com gravuras de quinhentos e setenta e cinco dragões e touros alados. Construiu um templo em honra a Ninmá, perto do portão de Istar.

As ruínas da cidade de Babilônia foram escavadas entre 1899 e 1914, por Robert Koldeway e pela Deutsche Grientgesellschaft.


Crônica Babilônica mencionando os eventos que
tiveram lugar no oitavo ano de Nabucodonosor,
rei da Babilônia; Esta tabuleta de barro é parte
de uma série de registros babilônicos resumindo
os principais acontecimentos de cada ano.

O rei caldeu publicou algumas obras. Ele era extremamente religioso. Em suas inscrições ele invoca as principais divindades do panteão babilônico, honrando principalmente os Deuses Marduque, Nabu, Samás, Sim, Gula e Adade. Mandou fazer santuários para os mesmos. Reconstruiu o grande templo de Bel-Marduque, na cidade de Babilônia, que ficou conhecido depois como E-Sigila.

Realizou grandes projetos em cidades como Ur, Larsa, Sipar, Ereque. Essa última a embelezou muito, traçando novas avenidas, e levantando muralhas.

Nabucodonosor faleceu em 562 a.C.. Foi sucedido pelo seu filho Evil-Merodaque. O Segundo Império Babilônico não sobreviveu por muito tempo à morte de Nabucodonosor, sendo conquistado em 539 a.C. pelo rei persa Ciro.


29 de novembro de 2017
(Valter Pitta)

Fontes: Meionorte.com / Info Escola / Wikipédia / Grupo Escolar / Portal São Francisco / Blog História Crítica / Passeiweb / Infopédia

O DECLÍNIO DOS MAIAS - 1a. PARTE


Pesquisas recentes reafirmam o papel essencial do clima no colapso da grande civilização que ocupou extensas áreas da América Central


Templo de Kukulcán. Construído na antiga cidade
de Chichén Itzá, México; O Templo de Kukulcán,
principal estrutura de Chichén Itzá demonstra os 
profundosconhecimentos que os maias possuíam.

 
Com sua magnífica arquitetura e sofisticado conhecimento de astronomia e matemática, os maias foram uma das grandes culturas do mundo antigo. Embora não utilizassem a roda nem instrumentos de metal, eles construíram pirâmides, templos e monumentos imensos de pedra talhada.

Grandes cidades e centros cerimoniais pequenos se espalhavam por toda a planície da península de Yucatã, que abrange parte do México e da Guatemala e quase todo Belize. De observatórios astronômicos como o de Chichén Itzá, eles acompanhavam a trajetória dos planetas e desenvolviam calendários precisos.

Além disso, os maias criaram seu próprio sistema matemático com base numérica 20 e dominavam o conceito de zero. Também desenvolveram uma escrita hieroglífica que empregava centenas de complicados sinais.

A civilização maia atingiu seu ápice durante o chamado período Clássico (250-950). No auge, em 750, a população talvez tenha ultrapassado 13 milhões. Porém, pouco tempo depois, entre 750 e 950, houve rápido declínio. Centros urbanos densamente povoados foram abandonados, e seus impressionantes edifícios viraram ruínas. A extinção dessa civilização (que os arqueólogos chamam de "o colapso terminal do período Clássico") é um dos grandes mistérios antropológicos dos tempos modernos. O que teria acontecido?

Ao longo dos anos, estudiosos propuseram as mais variadas hipóteses para explicar esse declínio: guerras internas, invasão estrangeira, surtos de doenças, dependência da monocultura, degradação ambiental e mudanças climáticas. É provável que a explicação verdadeira seja combinação destes e de outros fatores. Entretanto, nos últimos anos, acumularam-se os indícios de anomalias climáticas perto do fim do período Clássico, o que dá crédito à idéia de que intensas secas tiveram papel preponderante na queda desta civilização antiga.

Dado o aspecto das ruínas maias, com cidades enterradas sob densa vegetação florestal, surpreende que o Yucatã seja de fato um deserto sazonal. A exuberância da paisagem depende muito das chuvas de verão, que variam consideravelmente de um lado ao outro da península. A precipitação anual vai de 500 mm ao longo da costa setentrional a 4 mil mm em partes do sul. De junho a setembro, a umidade diminui até 90% e dá lugar a um inverno muito seco, entre janeiro e maio. Esse contraste resulta da migração sazonal da umidade associada à zona de convergência intertropical, também conhecida como "equador meteorológico". Nessa zona, ventos alísios do nordeste e sudeste convergem, forçando o ar a subir, produzindo nebulosidade e chuvas abundantes. Durante os meses de inverno, essa zona de convergência se desloca para o sul, e condições secas prevalecem sobre a península do Yucatã e a porção norte da América do Sul. Com o verão, ela migra para o norte, ocasionando chuvas no Yucatã e no sul do Caribe, as quais revigoram a vegetação.

O contraste sazonal obrigava os maias a enfrentar uma longa temporada seca a cada ano. Essa característica do ambiente teve importância especial no Yucatã, onde a água geralmente não flui sobre o solo. Lá, a chuva tende a dissolver as abundantes rochas calcárias, formando cavernas e rios subterrâneos. Por causa disso, não havia povoados ao longo de grandes cursos fluviais, como era comum em outras partes do mundo. Mesmo centros regionais importantes, como Tikal, Caracol e Calakmul desenvolveram-se em locais sem rios ou lagos permanentes. A ausência de água superficial durante quatro ou cinco meses do ano em tais áreas estimulou a construção de sistemas de armazenamento em grande escala.

Várias cidades foram projetadas para coletar a água da chuva e canalizá-la em canteiros, escavações e depressões naturais especialmente preparados para impedir que ela se infiltrasse no solo. Tikal tinha inúmeros reservatórios que, juntos, podiam armazenar o suficiente para atender as necessidades de água potável de cerca de 10 mil pessoas por 18 meses. Os maias construíram também reservatórios no topo das montanhas, aproveitando a gravidade para distribuir a água por canais em complexos sistemas de irrigação. Apesar da sofisticação de sua engenharia hidrológica, eles dependiam em última instância das chuvas sazonais para repor seus reservatórios, pois a água subterrânea natural era inacessível em parte considerável de seus domínios.

No inovador livro The great Maya droughts (As grandes secas maias), o arqueólogo Richardson B. Gill argumenta de forma persuasiva que a escassez de água foi um fator importante no colapso terminal do período Clássico. Gill reúne enorme quantidade de informações sobre o tempo e o clima modernos, recorre ao registro histórico de estiagens e períodos de fome e apóia-se em vestígios arqueológicos e estudos geológicos para desvendar o clima do passado. Para ilustrar a importância da rocha calcária porosa, por exemplo, ele cita Diego de Landa, bispo de Yucatã, que escreveu em 1566: "A Natureza trabalhou de maneira tão diferente neste país no que diz respeito aos rios e nascentes, que em todo o resto do mundo eles correm sobre o solo, mas aqui eles fluem por passagens secretas subterrâneas".

Quando esse trabalho foi publicado, há alguns anos, as evidências mais eloqüentes a favor da hipótese das secas prolongadas vinham de perfurações no sedimento de lagos do Yucatã feitas por David A. Hodell, Jason H. Curtis, Mark Brenner e outros geólogos da Universidade da Flórida. As medições desses depósitos antigos indicam que o intervalo mais seco dos últimos 7 mil anos caiu entre os anos 800 e 1000 de nossa era - coincidentes com o colapso da civilização maia clássica. Estudos posteriores encontraram indícios de um padrão recorrente de secas, o que parece também explicar outras rupturas menos dramáticas na evolução cultural maia.

A Conexão Venezuelana

Nossa contribuição ao entendimento das condições climáticas durante a época do colapso terminal do período Clássico provém do estudo de um local distante, nunca habitado pelos maias. Junto à costa setentrional da Venezuela situa-se uma notável depressão na plataforma continental, conhecida como bacia de Cariaco. Com profundidades de cerca de 1 km, cercada por declives e pela plataforma rasa, essa bacia age como armadilha natural para sedimentos. A borda erguida ao norte impede a penetração das águas do oceano aberto, mais profundas, e a baixa circulação de água priva o fundo da bacia de oxigênio dissolvido (isso ocorre desde o fim do último período glacial, há cerca de 14.500 anos). O solo lodoso e sem oxigênio é hostil à presença de organismos marinhos que habitam e reviram o fundo em busca de alimento. A integridade dos sedimentos, que em Cariaco são constituídos de camadas claras e escuras alternantes, cada uma com menos de 1 mm de espessura, fica assim preservada.

Os fatores que originam essas camadas são bem conhecidos: durante o inverno e a primavera do Hemisfério Norte, a zona de convergência intertropical encontra-se ao sul do equador, e chove pouco sobre a bacia de Cariaco. Nessa época do ano, ventos alísios vigorosos sopram sobre o mar que banha a Venezuela, provocando a subida de águas ricas em nutrientes. Isso permite a proliferação do plâncton que vive perto da superfície. Quando esses organismos morrem, seus pequenos esqueletos de carbonato de cálcio se dirigem para o fundo e formam uma camada de cor clara. No verão setentrional, a zona de convergência intertropical se move continuamente para o norte até assumir uma posição próxima à costa norte da América do Sul. Os ventos alísios diminuem e começa a estação chuvosa; esta aumenta o fluxo dos rios locais, que então transportam uma carga considerável de sedimento em suspensão até o mar. Esses materiais derivados do solo acabam se depositando e formam uma camada escura de grãos minerais em cima do acúmulo anterior de microfósseis claros no fundo oceânico.

Embora em outros locais organismos escavadores revolvam tais depósitos sazonais, a anóxica bacia de Cariaco mantém bem definidos esses pares de camadas claro-escuras. Os estratos alternados podem ser contados e na prática representam um relógio de tiques semestrais que os geólogos podem usar para determinar exatamente em que ano os sedimentos foram depositados. Para as pessoas interessadas na história da civilização maia, é uma coincidência feliz que tanto Yucatã quanto o norte da Venezuela passem pelo mesmo padrão geral de precipitação sazonal, com as duas áreas perto do limite norte da zona de convergência intertropical. Portanto, os sedimentos marinhos da bacia de Cariaco guardam muitas informações sobre as mudanças climáticas pelas quais os maias passaram.

Começamos nosso trabalho em 1996, quando o navio-sonda científico Joides Resolution, operado por uma equipe internacional de pesquisa denominada Programa de Perfuração do Oceano, navegou até o centro da bacia de Cariaco. Ali, os técnicos perfuraram o solo e retiraram uma coluna de sedimento com 170 metros de comprimento, com o objetivo específico de sondar as mudanças climáticas tropicais. O estudo desses sedimentos, acumulados em enormes quantidades e conservados sem nenhuma perturbação desde a época de sua deposição, ofereceu a nós e a outros geólogos um raro vislumbre em alta resolução do passado distante. Um aspecto importante de nosso trabalho é a medição da concentração de grãos minerais gerados pela erosão no continente sul-americano adjacente para estimar a quantidade de chuvas que caíram sobre ele.

Seria possível determinar isso através do exame direto dos sedimentos sob o microscópio, mas a caracterização de milhares de pares de camadas sedimentares por esse método é extremamente tediosa. Depois de experimentar vários métodos, concluímos que o mais útil era a medição de titânio e ferro, elementos abundantes na maioria das rochas continentais mas ausentes dos restos de organismos marinhos. Níveis elevados de titânio e ferro indicam, portanto, que grandes quantidades de silte e argila foram carregadas pelas chuvas do continente para a bacia. A descoberta desses elementos em abundância em dada camada de sedimentos implica que a precipitação na região - e, por inferência, sobre o Yucatã - deve ter sido alta na época da deposição. Sua ausência, ao contrário, indica chuvas esparsas.

29 de novembro de 2017
(Valter Pitta)

O DECLÍNIO DOS MAIAS - 2a. PARTE


As Chuvas no Primeiro Milênio

Quantificar a concentração de elementos químicos no material depositado com métodos tradicionais consome muito tempo e ainda tem a desvantagem de destruir a amostra sob estudo. Esses problemas foram superados com a recente introdução da chamada fluorescência de raios X. A técnica consiste na iluminação de uma amostra com raios X e na medição da quantidade de luz emitida em função do comprimento de onda. Uma análise adequada desse espectro de luz (que pode ser inteiramente automatizada) revela a concentração de vários elementos na amostra. No processo, as colunas devem ser partidas ao meio para avaliar a abundância de elementos em seu interior, com escâner apropriado. Esse método produz registros bem mais detalhados que a extração e a quantificação de amostras individuais.

Inicialmente, realizamos medições de fluorescência de raios X com um escâner instalado na Universidade de Bremen, Alemanha, onde o Programa de Perfuração do Oceano mantém um repositório delas. Determinamos a concentração de titânio e ferro em espaçamentos de 2 mm ao longo de uma seção sedimentar de interesse que já tinha sido datada por radiocarbono, mas, depois de encontrar variações quase idênticas nesses dois elementos, optamos por rastrear apenas o titânio.

Nesse intervalo, e com essa resolução de medição, o traço mais óbvio é o nível geralmente baixo de titânio nas camadas depositadas entre cerca de 500 e 200 anos atrás, período que corresponde ao que alguns climatologistas chamam de Pequena Era Glacial. Esses resultados supostamente refletem condições secas e indicam que a zona de convergência intertropical e sua precipitação associada não devem ter chegado tão ao norte como agora. Encontramos vários outros intervalos com concentração baixa de titânio, inclusive nos sedimentos depositados entre cerca de 800 e 1000 d.C., que correspondem ao período de intensa estiagem inferido por Hodell e colegas pela análise dos sedimentos do lago Yucatã.

O trabalho de Hodell dava a impressão de que uma longa "super-seca" havia castigado a terra natal dos maias por um ou dois séculos, com conseqüências devastadoras para a população nativa. Mas tal interpretação incomodava alguns historiadores. Eles sustentavam, baseando-se em indícios arqueológicos, que a cronologia e o padrão regional do colapso variava consideravelmente. Um modelo de "seca que explica tudo" parecia demasiado simplista, dado que o colapso ocorreu aparentemente em diferentes lugares e em diferentes épocas, e até mesmo poupou alguns centros populacionais.

Embora a bacia de Cariaco seja bem distante da península do Yucatã, seus sedimentos oferecem a possibilidade de obter uma cronologia extremamente detalhada das mudanças climáticas antigas. Assim, buscamos tirar o máximo proveito desse registro, de modo a obter conhecimento geral mais detalhado do clima durante o colapso maia. Infelizmente, tínhamos atingido a resolução analítica máxima do escâner de Bremen. Contudo, com a ajuda de Detlef Günther e Beat Aeschlimann, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, em Zurique, conseguimos resultados muito melhores, usando um sistema especial de microfluorescência de raios X montado em seu laboratório. Esse instrumento foi projetado para amostras pequenas, não sendo apropriado para longos cilindros de sedimento, mas pôde acomodar pedaços curtos de material retirado deles. O dispositivo permitiu a realização de análises de elementos com espaçamento de 50 micrômetros, o que nas colunas sedimentares de Cariaco corresponde a um período de cerca de dois meses - resolução incrivelmente fina para sedimentos marinhos, já que uma única amostra tipicamente abrange centenas de milhares de anos de história geológica.

Com o sistema suíço, medimos dois trechos de sedimento que cobrem, juntos, o intervalo temporal entre 200 e 1000, concentrando-nos nas camadas depositadas durante o colapso terminal do período Clássico. Esse intervalo revelou uma série de quatro mínimos de titânio bem definidos - provavelmente estiagens de vários anos que ocorreram durante um período já mais seco que o normal. Embora a contagem de pares de camadas de sedimento forneça informações precisas sobre a duração dessas secas (de três a nove anos) e sobre o espaçamento entre elas (de 40 a 50 anos), a datação absoluta desses eventos continua imprecisa. As medições de radiocarbono da coluna que usamos, combinadas com a contagem dos pares de camadas sedimentares, parecem indicar que as quatro estiagens ocorreram por volta de 760, 810, 860 e 910, mas na verdade não é possível falar em datas com esse grau de precisão, pois a técnica do radiocarbono tem incerteza de cerca de 30 anos para amostras dessa idade.

Cronologia Complexa

Os arqueólogos geralmente concordam que o colapso terminal do período Clássico ocorreu primeiro na região sul e central das planícies do Yucatã e que certas áreas ao norte entraram em declínio independentemente cerca de um século depois. Esse padrão de abandono é o oposto do que se esperaria com base na precipitação, que é mais alta no sul que no norte. Alguns historiadores apontaram essa incongruência: para eles o papel do clima no declínio maia não foi importante. Contudo, deve-se levar em conta a facilidade de acesso às fontes de água subterrâneas, que podem sustentar a população durante longos períodos de seca.

Tanto agora como durante o apogeu dos maias, os aqüíferos subterrâneos naturais eram importante fonte de água doce para uso humano. Eles são mais acessíveis no extremo norte da península, e os maias foram capazes de atingir o lençol freático nas várias colinas da região (lugares onde o teto de uma caverna subterrânea desmoronou) e de escavar poços. Entretanto, em direção ao sul, a paisagem se eleva e a profundidade até o lençol freático aumenta, o que torna impossível o acesso à água subterrânea com a tecnologia da época. Portanto, os povoados mais ao sul, totalmente dependentes das chuvas para suprir suas necessidades de água, provavelmente eram também mais suscetíveis aos efeitos de uma seca prolongada que as cidades com acesso direto às fontes subterrâneas. Essa diferença crucial ajuda a explicar por que a seca poderia ter causado maiores problemas no sul normalmente mais úmido.

Embora haja consenso de que o abandono dos principais centros populacionais começou no sul e se espalhou para o norte, Gill propôs um padrão tripartite de colapso, mais controverso. Com base em análise das últimas datas registradas pelos maias, entalhadas em monumentos de pedra conhecidos como estelas, ele concluiu que houve, de fato, três fases de colapso relacionadas às secas ocorridas entre 760 e 910, com peculiar progressão regional.

A primeira fase, segundo ele, ocorreu entre 760 e 810. A segunda estava praticamente encerrada por volta de 860. A terceira e última terminou por volta de 910. Notando uma coincidência entre as datas finais dessas três fases e a cronologia dos períodos de frio especialmente rigoroso na Europa (como mostra o registro de anéis de crescimento de árvores na Suécia), Gill especulou que os despovoamentos ocorreram um tanto abruptamente no fim de cada fase, que eles foram essencialmente resultado das secas e que estas estavam vinculadas às condições frias nas latitudes maiores.

O modelo de três fases de colapso, e em especial a base arqueológica para a cronologia proposta, têm sido tema de intenso debate. Há consideráveis divergências, por exemplo, sobre a interpretação das últimas inscrições datadas nas estelas como registros exatos do abandono das cidades. Além disso, Gill considerou apenas os maiores sítios maias em sua análise original. Portanto, há certamente espaço para dúvidas. Ainda assim, os episódios de estiagem que inferimos do registro geológico da bacia de Cariaco coincidem notavelmente com as três fases de abandono propostas por ele.

Por exemplo, o início da primeira fase de dispersão do modelo de Gill, por volta de 760, corresponde claramente a uma redução abrupta na precipitação inferida pelos sedimentos de Cariaco. Nos 40 anos subseqüentes, a precipitação parece ter apresentado ligeira tendência a decrescer a longo prazo. Esse período culminou em uma década ou mais de seca intensa, que, dentro dos limites de nossa cronologia, coincide com o fim da primeira fase proposta por Gill. O colapso da sociedade nessa época limitava-se às planícies ocidentais, região com pouca água subterrânea acessível cujos habitantes dependiam quase exclusivamente das chuvas para suprir suas necessidades.

O fim da segunda fase de colapso está marcado no registro de Cariaco por um nítido intervalo de baixas concentrações de titânio, ou seja, uma seca extraordinariamente intensa que durou três ou quatro anos. A evasão das cidades nessa fase ficou basicamente restrita à porção sudeste das planícies, região com lagoas de água doce que devem ter secado durante esse período.

De acordo com Gill, a terceira e última fase do colapso ocorreu por volta do ano 910, afetando centros populacionais nas planícies centrais e setentrionais. Baixos valores de titânio nos sedimentos da bacia de Cariaco indicam mais um período coincidente de estiagem, de cinco ou seis anos.

Embora a correspondência entre o modelo de estiagem de Gill e os nossos achados seja muito boa, admitimos que provavelmente nenhuma causa isolada possa explicar um fenômeno tão complexo quanto o declínio maia. Em seu recente livro Colapso - Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, Jared Diamond argumenta que pode ter havido confluência de fatores que condenaram os maias: população em expansão que operava no limite dos recursos disponíveis, degradação ambiental na forma de desmatamento e erosão das encostas, crescimento das guerras internas e liderança focada em preocupações de curto prazo. Ainda assim, Diamond admite que uma alteração climática, na forma de secas prolongadas, pode ter ajudado a desencadear os eventos que desestabilizaram a sociedade maia.

Alguns arqueólogos salientaram que o controle das reservas de água fornecia uma fonte centralizada de autoridade política para as elites maias dominantes . Portanto, os períodos de seca poderiam ter minado a instituição do governo maia quando as tecnologias e os rituais existentes deixaram de prover água suficiente. Grandes centros populacionais dependentes desse controle foram abandonados, e as pessoas mudaram primeiramente para o leste e depois para o norte durante as sucessivas secas em busca de fontes mais perenes de água. Entretanto, ao contrário do que aconteceu durante os intervalos anteriores de precipitação baixa, aos quais os maias resistiram, o ambiente durante os estágios finais do colapso encontrava-se no limite da capacidade (por causa do crescimento populacional durante os períodos mais úmidos), e a migração para áreas menos afetadas pela seca não era mais possível. Em suma, acabaram as opções.

Clima na História Humana

A possibilidade de combinar o registro geológico com informações arqueológicas e históricas tradicionais representa um poderoso meio de estudar como uma sociedade reage às mudanças climáticas do passado distante. Embora o impacto socioeconômico dos eventos recentes do El Niño ou da terrível seca que atingiu o centro dos Estados Unidos nos anos 30 - provocando tempestades de poeira que varreram todo o solo para o oceano e causaram a migração de 500 mil pessoas - sejam fáceis de estudar, os climatologistas sabem relativamente pouco sobre as conseqüências de mudanças climáticas mais antigas e longas. Nos últimos anos, contudo, registros de alta resolução de colunas de gelo, anéis de crescimento de árvores, corais e certos sedimentos de mar profundo e de lagos começaram a fornecer uma idéia cada vez melhor da mudança climática nos últimos milênios.

A coincidência da seca com o colapso da civilização maia é apenas um exemplo. No sudoeste americano, indícios de uma redução drástica na umidade do ar entre 1275 e 1300, obtidos pelos anéis de crescimento de árvores, levaram à conclusão de que o clima influiu no desaparecimento do povo anasazi, habitante dos penhascos. E existem sinais de que mudanças climáticas semelhantes podem ter sido responsáveis por outros eventos importantes na história humana. O colapso do império acadiano da Mesopotâmia, o declínio da cultura moche na costa do Peru e o fim da cultura tiwanaku no altiplano bolívio-peruano há aproximadamente 4.200, 1.500 e mil anos, respectivamente, foram todos vinculados a secas persistentes de longa duração nessas regiões. Antes de evidências geológicas dessas secas antigas se tornarem disponíveis, cada um desses colapsos culturais, como o dos maias, foi distribuído unicamente a fatores humanos - guerra, superpopulação ou esgotamento de recursos.

A ascensão e queda da civilização maia clássica representa um modelo típico de evolução social humana. Portanto, é significativo descobrir que a história dos maias estava tão intimamente ligada a questões ambientais. Se a civilização maia pôde entrar em colapso sob o peso de eventos climáticos naturais, é de interesse mais que acadêmico ponderar como a sociedade moderna se sairá diante de mudanças climáticas incertas nos próximos anos. Entender como as culturas antigas reagiram às mudanças climáticas no passado pode render lições importantes para a humanidade no futuro.

29 de novembro de 2017
(Valter Pitta)

REFLEXÃO...


29 de novembro de 2017

CONSTANTINO E AS TRANSFORMAÇÕES DO IMPÉRIO ROMANO NO SÉCULO IV

Uma descrição do mundo romano após a Tetrarquia. Analisaremos as questões políticas relativas ao mundo romano durante o período
Estátua de Constantino I em York, Inglaterra.

Depois da morte de Galério em 311, quatro imperadores disputam o poder: Constantino, Maximino Daia, Maxêncio e Licínio. A guerra entre eles torna-se inevitável. Licínio e Maximino se enfrentavam no Oriente, enquanto Constantino e Maxêncio, no Ocidente. Em um primeiro momento, Licínio e Maximino fizeram um acordo. Em 313, Licínio casa-se com a meia-irmã de Constantino, Flávia Júlia Constantina, com quem teve um filho, Licínio II. Por razões políticas, volta-se contra Maximino Daia, derrotando-o no mesmo ano. Maximino foi condenado à morte. Desse modo, o Oriente voltou a ter um único senhor.

Com a derrota e morte de Maxêncio em 312, na ponte Mílvia, uma nova aliança é estabelecida entre Constantino e Licínio. Após alguns enfrentamentos iniciais, firmaram a paz em Sérdica, no ano de 317. Durante esse período, ambos nomearam novos césares, segundo as suas conveniências, membros da sua família, independentemente da idade.

O próprio Senado Romano, por causa do aumento dos impostos, pediu a Constantino que invadisse Roma, expulsando Maxêncio. Essa passagem foi ricamente descrita por Eusébio de Cesareia e Lactâncio. Na realidade, o exército de Constantino era bem inferior ao de Maxêncio, mas, como comandante militar, Constantino era superior ao rival. Napoleão Bonaparte, imperador francês, já dizia no século XIX: “é melhor um exército de coelhos comandados por um leão, do que um exército de leões comandados por um coelho”. Em 313, já como senhor do Ocidente, Constantino assina o Edito de Milão, com Licínio, senhor do Oriente.

Reunidos em Milão, em 313, Constantino e Licínio assinam o Edito de Milão. Em resumo, o documento declarava que o Império Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada oficialmente, especialmente ao Cristianismo. A aplicação do Edito fez devolver os lugares de culto e as propriedades que tinham sido confiscadas dos cristãos e vendidas em praça pública. O Edito deu ao Cristianismo (e a todas as outras religiões) o estatuto de legitimidade, comparável com o paganismo e, com efeito, desestabeleceu o paganismo como a religião oficial do Império Romano e dos seus exércitos.

Na tentativa de consolidar a totalidade do Império Romano sob o seu domínio, Licínio em breve armou seu exército contra Constantino I. Como parte do seu esforço de ganhar a lealdade dos seus soldados, Licínio dispensou o exército e o serviço civil da política de tolerância do Edito de Milão, permitindo-lhes a expulsão dos cristãos. Em resumo, Licínio torna-se um perseguidor. Depois de novos enfrentamentos, em 324, Constantino reunifica o império.

Constantino, além de mandar executar Licínio, seu cunhado, e o filho dele, Licínio II, em 325, depois de prometer publicamente não fazê-lo (Eusébio de Cesareia cita em seus escritos que Licínio estava à frente de uma série de intrigas), meses depois mandou executar Crispo, seu filho mais velho (seu César e vencedor de Licínio na batalha naval de Crisópolis, em 324), o que lhe permitiu o acesso ao Bósforo e às províncias orientais de Licínio.

As razões dessa execução ainda são um tanto obscuras. Alguns historiadores como Zósimo, no século V, e João Zonaras, no século XII, relatam um envolvimento amoroso entre a madrasta, Fausta (293-326), filha de Maximiano, também condenada à morte, por adultério, e Crispo (305-326).

Outras teorias acrescentam que Fausta estava com medo de que o filho do primeiro casamento fosse o sucessor de Constantino; e Crispo, filho de Constantino com Minervina (pouco sabemos dessa união), educado por Lactâncio, já havia demonstrado sua competência como militar e administrador sendo considerado como o neto favorito de Helena (mãe de Constantino). Influenciado pela mãe e atormentado após descobrir a inocência do filho (causa principal da condenação de Fausta), Constantino teria aceito o batismo, que segundo Eusébio de Cesareia, perdoaria seus pecados. O compositor italiano Donizetti, em 1831, escreveu a ópera Fausta, que narra boa parte dos acontecimentos.

Durante todo o seu reinado, dedicou-se a reformar profundamente o Império. Modificou a composição do Senado, cujo conselho estava composto por 600 membros, aumentando para 2.000 magistrados. Outra inovação foi a reforma da prefeitura do pretório: os comandantes da guarda imperial se converteram em altos funcionários provinciais, dotados de amplos poderes civis, responsáveis por manter a ordem pública e as finanças.

Apesar de não retornar à antiga forma de governo de que seu pai fez parte, Constantino limitou-se, dois anos antes de sua morte, a dividir o governo dos territórios em cinco partes: três partes, as maiores, seriam entregues a seus três filhos; as outras duas, a três de seus sobrinhos. Ou seja: coube ao filho mais velho, Constantino II, a Bretanha, a Gália e a Espanha; Constâncio II ficou com a rica parte oriental do Império, que desde 333 governava como César em Antioquia; o mais jovem, Constante, ficou com a Itália, a África e a Panônia. Os primos Flávio Júlio, Dalmácio e Anibaliano ficaram, respectivamente, com os Bálcãs e a Ásia Menor.
Cristograma de Constantino.

A ascensão de Constantino esteve ligada à transformação do Cristianismo. Os relatos de Eusébio de Cesareia, seu biógrafo, retratam o sonho de Constantino, à tarde, antes da batalha da ponte Mílvia. Ordenou pintar nos escudos de suas tropas o monograma cristão (☧). Assim venceu o usurpador Maxêncio. Essa passagem é citada por Lactâncio e Eusébio de Cesareia, este último a cita duas vezes: na História Eclesiástica e De Vita Constantini. A tradição cristã diz que pouco antes de entrar em combate contra Maxêncio, o imperador “rezava e fazia frequentes súplicas”, segundo o seu amigo e biógrafo Eusébio de Cesareia, quando surgiu um sinal divino no céu: as iniciais da palavra Cristo em grego (ΧΡ), acompanhada da inscrição in hoc signus vinces (com esse sinal vencerás). Constantino teria mandado pintar o sinal nos escudos dos soldados, vencendo, assim, a batalha. Segundo o retórico cristão Lactâncio, contemporâneo de Eusébio de Cesareia, a visão de Constantino ocorreu durante o sono, pouco antes do combate. Lembramos, ainda, que Eusébio escreveu a sua obra em grego, e Lactâncio, em latim.

O símbolo (☧), ΧΡ, as iniciais da palavra Cristo em grego, pode ser encontrado na bandeira do Estado do Vaticano, na estola dos bispos católicos e na sacristia das igrejas, entre outros lugares. A data do Natal, 25 de dezembro, foi oficializada por Constantino. Era o dia do culto ao Deus Sol, Apolo. Antes disso, o Natal era comemorado no dia 6 de janeiro (hoje dia de Reis). Na época, para popularizar a religião, trocavam as datas festivas.

Constantino tinha inicialmente uma religião solar, de tendência monoteísta, culto ao Sol ou sol invictus. Ele se considerava inspirado por um Deus Único, mas mal definido, e mantinha as funções de pontifex maximus (Sumo Pontífice, sacerdote do Colégio dos Pontífices, mais alto cargo religioso em Roma, desde o século VII a.C.) e mestre do paganismo.

O historiador paulista Pedro Paulo Funari define essa suposta conversão de Constantino como um jogo político. Segundo o autor:

Assim o imperador Constantino concedeu aos cristãos, por meio do chamado Edito de Milão, em 313, liberdade de culto. Em seguida, esse mesmo imperador procurou tirar vantagem e interveio nas questões internas que dividiam os próprios cristãos e convocou um concílio, uma assembléia da qual participavam os principais padres cristãos. Nos Concílios foram discutidas as diretrizes básicas da doutrina cristã. Depois, Constantino cuidou pessoalmente para que as determinações do concílio fossem respeitadas, ou seja, passou a ter um controle muito maior dos cristãos e suas idéias. Antes de morrer, o imperador resolveu batizar-se também (FUNARI, 2002, p. 143).

No campo econômico, com o intuito de controlar a inflação, Constantino criou uma nova moeda de ouro, o solidus, diminuindo o peso do aureus(antiga moeda de ouro). Essa moeda teve a primeira cunhagem em 310 e conseguiu estabilizar rapidamente o sistema monetário. O soliduscirculava só entre a elite político-econômica, e não entre as classes mais baixas, que continuavam utilizando moedas de bronze, cobre ou prata, que eventualmente sofriam as devidas desvalorizações.

Em 324, é cunhado o miliarense, moeda de prata que poderia chegar ao valor de 1/12 do solidus aureus. Quanto à massa em circulação, era constituída por espécies de cobre e bronze, de peso variável.

Constantino apoderou-se dos tesouros do antigo rival Licínio, mas dois anos mais tarde, a maior parte das casas monetárias, fundadas por Diocleciano, era fechada. Em 332, graças ao confisco dos bens dos templos pagãos, foi possível reabri-las.

Na administração, ocorreram alterações significativas nas funções. O ministro do tesouro real, o rationalis, cedeu lugar ao conde das liberalidades sagradas; e o procurator rei privatae passou a ser chamado conde dos bens privados, na organização dos bens e da fortuna do príncipe para que revertessem as rendas do ager publicus, dos domínios confiscados, das terras municipais e os recursos dos templos.

De fato, a política constantiniana de grandes despesas não conseguiu deter a inflação. Um fato importante que gerava o aumento dos preços era a prática do fornecimento de pão, que a princípio era gratuito, passando, em seguida, a um preço reduzido, bem como as distribuições de azeite e de carne de porco, que aumentaram à medida que eram ampliadas as fronteiras imperiais.

Com a morte de Constantino em 337, teve início um período de lutas internas pelo poder. Os numerosos meios-irmãos e sobrinhos de Constantino foram assassinados por políticos poderosos. Constâncio II defendia uma sucessão dinástica ordenada, livre da disputa entre os diversos ramos da família. Essa idéia, assassinato dos membros da família, foi defendida por Helena (futura Santa Helena), mãe de Constantino, sendo provável que Constâncio II, o homem-forte do novo regime, tenha ordenado o massacre. Deixou vivos, por razões sucessórias (também como refém) os jovens primos Constâncio Galo e Juliano. Mais tarde, ambos assumiram a função de César, primeiro Galo, depois Juliano.

Depois da morte de Constantino em 337, o massacre de seus familiares, a morte de Constantino II (317-340) e Constante (320-350), o Império retorna às mãos de um único senhor, Constâncio II (317-361), responsável pelo reinado mais longo do século IV, após a morte do pai.

Os problemas administrativos e a questão sucessória levam Constâncio a nomear seu primo, Constâncio Galo como César. As intrigas palacianas e a instabilidade de Galo levam-no a ser executado sob a acusação de traição. Seu irmão Juliano é chamado à presença de Constâncio em Mediolanum(Milão). Em 355, foi nomeado César da parte ocidental do Império e casou com a irmã do imperador. Nos anos seguintes, lutou contra as tribos germânicas que tentavam entrar em território do Império. Nesta luta, distinguiu-se como estrategista, administrador e legislador. Recuperou Colônia Agripina (Colônia, Alemanha) em 356, derrotando os alamanos (em Argentoratum, na Batalha de Estrasburgo, França / Alemanha) assegurando a fronteira do Reno por outros cinquenta anos.

Em 360, Constâncio lhe ordenou transferir suas tropas da Gália, comandadas por Juliano, para o exército do leste. Tanto Juliano quanto seus soldados não gostaram da atitude de Constâncio, o que provocou uma insurreição que fez com que as tropas da Gália proclamassem Juliano, Augustus e novo imperador. Não houve uma luta propriamente dita entre Constâncio e Juliano. Constâncio II morreu de peste (peste bubônica, muito comum na época) quando se deslocava para a Gália. As próprias legiões de Constâncio reconheceram Juliano como único imperador.

Como profundo conhecedor da lei, Juliano elaborou um corpo legislativo e restabeleceu a posição dos senadores municipais e recuperou o estado lastimável em que se encontravam as cúrias. É bom lembrar que a aplicação de suas leis ocorreu em todo o território romano, ocidental e oriental. Influenciado pelos fundamentos aristotélicos sobre a lei, tentou associar essa teoria com a sua prática legislativa.

Durante a luta contra os persas sassânidas, Juliano sofreu um ferimento mortal por uma flecha ou lança. Libânio, filósofo e amigo pessoal do imperador, escreveu que Juliano foi assassinado por um soldado cristão de seu próprio exército, embora essa acusação não fosse corroborada por Amiano Marcelino nem por nenhum outro historiador contemporâneo. Joviano, seu sucessor, governou apenas oito meses.

Valentiniano e Teodósio: uma nova dinastia?

Valentiniano I (321-375), antigo comandante militar durante o governo de Juliano e Joviano, foi proclamado imperador pelo exército de Niceia. Instalou-se em Mediolanum (Milão) e associou-se ao seu irmão Valente. Conseguiu expulsar os alamanos da Gália e estabeleceu a paz na Bretanha, sufocando uma série de revoltas.

No ocidente, Valentiniano I foi sucedido por seus filhos Graciano e Valentiniano II, que na ocasião estavam com 16 e 4 anos. Ambos foram controlados, reciprocamente, por seus conselheiros. Esses governos não foram suficientemente fortes, e o usurpador Magno Máximo assassinou Graciano em Lion (França) e instalou sua corte em Trèveres (Trier, Alemanha), esperando o reconhecimento de seu poder por parte de Teodósio, que governava o oriente desde 379.
Efígie de Teodósio I.

Teodósio I (346-395), filho de Flávio Teodósio, um general de Valentiniano I, condenado à morte por Valentiniano I, recebeu de Graciano a parte oriental do Império em janeiro de 379. Seus primeiros anos de governo estiveram ligados aos problemas com os invasores godos. Em 382, firmou um tratado com eles, por meio do qual poderiam se estabelecer em território romano, porém deveriam integrar-se ao exército como federados. Mais tarde, Teodósio assina um acordo com os persas sassânidas, poderoso império rival de Roma no século IV.

Durante o ano de 387, Máximo invade a Itália, destronando Valentiniano II, que consegue refúgio no Oriente com Teodósio. Em resposta, o Imperador do Oriente marchou contra Máximo em 388, vencendo o usurpador, que morreu em combate. Restabeleceu assim, Valentinano II como Imperador do Ocidente.

Um ano depois, Valentiniano aparece morto, supostamente por suicídio. Arbogasto, general franco, escolhe Flávio Eugênio como Imperador. Eugênio, pagão, tenta restaurar o culto aos deuses, sendo derrotado e morto pelas tropas de Teodósio em Aquileia. O Império é unificado pela última vez. Toda a corte é assentada em Milão, nova capital.

Teodósio morreu na cidade de Milão em janeiro de 395. Foi o último imperador que, graças à sua habilidade pessoal e sua força de caráter, exerceu um controle sobre o Império Romano. Deixou o poder nas mãos de seus filhos Arcádio (377 ou 378-408), em Constantinopla, e Honório (387-423), em Milão. Apesar de nenhum dos dois ter a personalidade ou o carisma do pai, a sucessão transcorreu sem resistência.

Considerações Finais

Arcádio morreu em 408, e seu filho Teodósio II, coimperador desde 402, com um ano de idade, o sucedeu. Em 423, morre Honório, depois de um reinado de atividade nula. Em 425, Valentiniano III, filho de Gala Placídia, irmã de Honório, é instituído Imperador do Ocidente. Com apenas seis anos de idade, a regência coube à sua mãe, e a partir de 433, o poder passou para o magister militum (mestre dos soldados) Flávio Aécio. Nesse período, os Vândalos instalaram-se no império, e os hunos cruzam as fronteiras.

A continuidade dinástica não impediu as rivalidades políticas entre os partidários de um ou outro imperador. Mas, apesar da pouca idade dos governantes, a influência dos seus generais e ministros foi de suma importância para uma efêmera estabilidade política nesses tempos extremamente difíceis para o Império Romano.

Nesse período ocorreram menos desordens do que nos anteriores. Efetivamente após ter conhecido uma dinastia constantiniana e uma valentiniana, o século V conhece uma dinastia teodosiana, ambas interligadas entre si pelo casamento dos seus membros.

Começa a surgir um sentimento de lealdade monárquica, apesar de uma série de transtornos. A melhor prova disso é que, apesar de toda a carência militar e política, os filhos de Teodósio I morreram de morte natural.

A idéia familiar foi suficientemente forte para que, de uma dinastia a outra, se procurasse criar um laço por meio do matrimônio. Valentiniano casa o filho Graciano, então como dezesseis anos, com a neta de Constantino, de treze anos. E Teodósio, por sua vez, desposou a filha de Valentiniano.

Lentamente, vai-se instalando nas vastas regiões imperiais um respeito ao imperador como governante supremo. Por este motivo, não podemos considerar completamente ineficazes os esforços das dinastias do Baixo Império para regularizar a transmissão de poder, uma herança que os reis medievais vão aproveitar muito bem, para legitimar e consolidar seus reinos.

Uma nova capital é efetivada, Constantinopla, antiga colônia grega de Bizâncio. A sua vida política, econômica e social, aos poucos vai se fortalecendo, rivalizando com a própria Roma. A idéia de Constantino era enfraquecer o incontrolável Senado Romano, estabelecer um eixo político-econômico mais próximo aos Bálcãs, protegendo a área contra uma futura invasão persa.

As bases das reformas de Constantino foram mantidas pelos seus sucessores. A aliança com a Igreja, legítima herdeira de Cristo e do Império, tornou-se cada vez mais forte. Com isso, está formado uma das bases do pensamento político medieval. O Sumo Pontífice, bispo de Roma, e as dinastias germânicas.


29 de novembro de 2017
Cláudio Umpierre Carlan

OS MANUSCRITOS DE TIMBUKTU


Timbuktu acumulou uma extensa e eclética coleção de manuscritos trazidos pelos diversos viajantes que passaram pela cidade




Preciosos Manuscritos
Escritos preciosos estão ameaçados de decomposição e de pilhagem por traficantes

Em Timbuktu, a descoberta progressiva de antigos manuscritos, dentre os quais alguns datados do século XIII, está em vias de se tornar uma referência histórica importante para toda a África. 

Durante o período colonial, as famílias de Timbuktu, que tinham o hábito de colecionar bibliotecas particulares constituídas por manuscritos em pergaminho, decidiram esconder seus livros, para evitar a pilhagem. Por isso, as obras passaram os últimos séculos escondidas. Os manuscritos foram enterrados, escondidos no fundo de poços ou levados para longe, em grutas ou no deserto do Saara. Desde 1964, a Unesco lançou um apelo para recuperar e reunir esse precioso acervo. A partir dos anos 90, parte dele começou a aparecer (cerca de 200 bibliotecas particulares), e vem sendo alvo de projetos de preservação e conservação.

Mais de 15 mil documentos já foram exumados e catalogados sob orientação da Unesco. Outros 80 mil jazem ainda em algum lugar, em baús ou no fundo de celeiros da cidade mítica. Esses escritos preciosos, que fizeram a glória do vale do rio Níger entre os séculos XIII e XIX , estão ameaçados de decomposição e de pilhagem por traficantes.

Obras raríssimas, escritas em língua árabe, por vezes no dialeto fula (peul), por eruditos originários do antigo império do Mali , circulam pela Suíça, onde são alteradas e depois oferecidas a colecionadores que disputam sua posse. Chefe da missão cultural de Timbuktu, Ali Uld Sidi não esconde sua preocupação: “Os manuscritos cujos depositários são os habitantes devem ser identificados, protegidos e restaurados, caso contrário Timbuktu será privada de sua memória escrita. É uma memória que quem guarda nem imagina o valor”.

Época de ouro
A cidade foi um centro de comércio importante entre o antigo Sudão e o Magreb

Timbuktu, a “cidade santa”, a “misteriosa”, a “inacessível”, que fascinou tantos exploradores – do escocês Mongo Park ao francês René Caillié e o alemão Heinrich Barth – é uma fabulosa cidade de areia situada no nordeste do atual Mali, nos confins do sul do imenso deserto do Saara e um pouco afastada da margem esquerda do rio Níger. 

Fundada por volta do século XI pelos tuaregues, a cidade se impôs, a partir do século XIV, como um centro de comércio importante entre o antigo Sudão e o Magreb. O sal de Taudenni (Mali), o ouro das minas de Buré (Etiópia) e os escravos de Gana transitavam por ali. Mercadores árabes e persas conviviam com viajantes e filósofos muçulmanos, levados pelo desejo ardente de arregimentar para a fé de Alá as populações locais. 

Foi a época em que a África saheliana se dividiu entre os impérios que se converteram ao Islã e os outros. Se o dos mossis (atual Burkina Faso) resistiu em se entregar à religião de Maomé, o império songai – sucessor do império do Mali no final do século XIV – aderiu a ela. Assim, a expansão dos manuscritos confunde-se com a islamização.

As três grandes cidades da região (Timbuktu, Gao e Djanné) tornaram-se os pólos de uma efervescente civilização islamo-sudanesa cuja memória permaneceu viva. No século XV, Timbuktu contava com não menos de 100 mil habitantes (30 mil atualmente), dentre os quais 25 mil “estudantes” que freqüentavam a universidade de Sankoré, atualmente transformada em mesquita. 

As conferências dos ulemás, sábios muçulmanos, eram transcritas por copistas sobre a casca de árvores, omoplatas de camelos, peles de carneiro, ou papel proveniente do Oriente e depois da Itália. Dessa forma, ao longo dos séculos, foi se constituindo um precioso corpus filosófico, jurídico e religioso.

Comércio e conhecimento
Considerados como um maná científico inédito, os manuscritos contradizem o mito da oralidade africana

Além disso, todo um saber didático – consignando desordenadamente o curso dos planetas, a tonalidade das cordas de um instrumento musical, a cotação dos tecidos e da noz-de-cola – foi conservado nos mínimos recônditos das páginas desses manuscritos nômades. 

As caravanas que se deslocavam entre Agadez (Níger) e Tichit (Mauritânia), passando por Sokoto (ao norte da Nigéria), transportavam uma multiplicidade de informações destinadas a mercadores esclarecidos. Durante cerca de três séculos, o comércio e o conhecimento enriqueceram-se mutuamente, no dorso dos camelos, entre barras de sal e sacos de tabaco.

Considerados como um maná científico inédito, esses manuscritos contradizem o mito da oralidade africana sustentado por intelectuais, como o falecido Hamadou Hampâté Bâ. Mas que valor científico pode ser dado a documentos que se tornaram objetos de especulação em vez de instrumentos de compreensão do passado? Como apossar-se desse acervo de conhecimentos escritos que os estragos do tempo ameaçam fazer desaparecer? São tantas questões que alimentam especulações de professores norte-americanos e de historiadores locais.

Portanto, em pleno coração de Timbuktu, no Centro de Documentação e Pesquisas Ahmed Baba (Cedrab), criado pelo governo por iniciativa da Unesco em 1970, joga-se uma grande partida da consciência histórica da África. Ao escolher o nome de Ahmed Baba, erudito nascido em 1556 que ensinou direito islâmico (fatwa), as autoridades homenageiam um resistente ao invasor marroquino. Elas honram, dessa forma, um sábio que exerceu uma influência considerável sobre seus concidadãos e cuja ortodoxia dos ensinamentos continua a influenciar as mentes.

Frágil tesouro
Para conhecer o conteúdo dos manuscritos, basta se aproximar de famílias que os guardam

O Cedrab recebeu como missão catalogar, proteger e restaurar os manuscritos encontrados. O papel é um suporte frágil: sofre com a umidade e o fogo; seca, quebra, rasga-se e acaba em poeira. Os cupins o adoram. O ministro da cultura, xeque Omar Sissolo, especifica: “Por não poder recuperar a totalidade desses manuscritos, procuramos estimular a criação de fundações particulares que permitam reconstituir rapidamente acervos de origens familiares; é o melhor meio de responsabilizar os cidadãos e ao mesmo tempo proteger esse tesouro”.

Pois a maioria desses misteriosos manuscritos pertencem a particulares. Para conhecer o conteúdo deles, basta se aproximar de famílias que nos acolhem de braços abertos. Por exemplo, Ismael Diadé Haidara, que encontramos diante de seu computador com o qual escreve livros de filosofia e de história, como Les Juifs à Tombouctou. Os judeus desempenharam um papel importante no transporte do ouro do Sudão para a Espanha cristã. Foi por meio deles que um dos pais da cartografia, Abraham Cresques (1325-1387), judeu das ilhas Baleares, cuja família emigrou do norte da África no início do século XII, teve conhecimento de Timbuktu, que era ligada ao norte da África por caminhos cujos portos eram habitados por judeus. Leon, o Africano, desde a primeira metade do século XV, menciona a presença de judeus no reino de Gao.

Saber medieval
Graças a alguns tradutores contemporâneos, todo um afresco africano remonta à superfície da história

Descendente da dinastia Kati, Haidara tem um cuidado meticuloso em explicar a história de sua fundação, instalada nas proximidades da mesquita Jingereber, numa antiga residência restaurada de Timbuktu: “Todo esse acervo começou a ser formado com o exílio de um antepassado meu, o visigodo islamizado Ali B. Ziyad al-Kuti, que saiu de Toledo em 1468 para vir instalar-se em Gambu, na região soninquê. 

Desde então, a biblioteca não deixou de se enriquecer através de várias gerações de Kati, meus ancestrais. Em 1999, decidimos exumá-los”. Um resumo do saber medieval está representado nessa biblioteca: tratados de boa governança, textos sobre os malefícios do tabaco, compêndios de farmacopéia... Obras de direito, de teologia, de gramática e de matemática são comentadas por sábios de Córdoba, de Bagdá ou de Djenné. 

Sobre as prateleiras gradeadas, protegidas das destruidoras poeiras de areia, atas jurídicas referem-se à vida dos judeus e de renegados cristãos em Timbuktu, e demonstram a intensa atividade comercial da época. A venda e a alforria dos escravos, as cotações do sal, das especiarias, do ouro e de plumas são objeto de pergaminhos colocados junto da correspondência entre soberanos das duas margens do Saara, ilustrada com iluminuras em ouro.

O conjunto é sublinhado, explicado, anotado na margem ou no colofão, essa última página de um livro ou de um final de rolo de papiro na qual o copista anota seu nome e a data em que terminou seu trabalho. Fica-se sabendo aí, pelo subterfúgio de uma encantadora manipulação, a ocorrência de tremores de terra ou de uma violenta rixa que perturbou as escritas.

Graças a alguns tradutores contemporâneos, todo um afresco africano remonta à superfície da história. Não existe nenhuma homogeneidade nesses textos, e com razão: se a esmagadora maioria desses manuscritos é redigida em árabe, cada copista expressava-se em função de suas origens (tamashek, haussa, peul, mas também sonrai, diúla, soninquê ou wolof), segundo uma base caligráfica comum inspirada no maghribi, espécie de escrita árabe cursiva que, por sua forma, permitia economizar papel.

Substrato histórico
O pensamento africano cultivava o amor de um islã aberto para o universal

O valor de determinados documentos é evidente, em especial o do famoso Tarikh el-Sudan (História do Sudão), de Mahmoud Kati (século XV), que traça a sucessão dos chefes de Timbuktu. Da mesma forma, Tarikh el-Fetash (História do pesquisador), de Abderahmane es-Saad (século XVII), crônica do Sudão medieval. 

A descoberta desses manuscritos dá à África subsaariana o substrato histórico que lhe foi negado durante muito tempo e do qual se começa a perceber a importância. Como uma resposta aos trabalhos de um grande historiador senegalês, o xeque Anta Diop, ela destaca a profundidade espiritual da África pré-colonial. Mostra também que a riqueza dessa região foi construída ao redor de uma dinâmica comercial “trans-tribal” da qual o Islã foi o desencadeador, e os ulemás, por sua aptidão para o ensino de “massa”, os realizadores.

Daí resultou uma espécie de continuum cultural a partir do qual a dimensão mística se consolidou sobre heranças mais ou menos estruturadas, até a chegada dos portugueses no século XV. O xeque Dan Fodio (1754-1817), por ter se inspirado em seus predecessores, em particular Ahmed Baba, confirma em suas memórias que, até a chegada dos europeus, “o pensamento africano cultivava o amor de um islã aberto para o universal que se distinguia muito nitidamente daquele observado no mundo arabo-muçulmano”. Constatação confirmada no início do século XX.

Do deserto para a internet
Os importantes manuscritos do Timbuktu, datados dos séculos XV a XIX e descobertos nos últimos anos, estão sendo digitalizados e colocados na internet

De Timbuktu até aqui, revertendo a famosa expressão, as palavras escritas do lendário oásis africano estão sendo entregues via caravana eletrônica. Um carregamento de livros e manuscritos, alguns apenas recentemente resgatados da decadência, foi digitalizado para a internet e distribuído para acadêmicos por todo o planeta. 

São trabalhos sobre leis e história, ciência e medicina, poesia e teologia, relíquias da era dourada de Timbuktu como uma encruzilhada em Mali para troca por ouro, sal e escravos ao longo do limite meridional do Sahara. Se o nome é agora sinônimo para uma distância misteriosa, a literatura declara que seu papel anterior era o de um vibrante centro intelectual. 

Nos anos recentes, milhares destes livros amarrados em couro e frágeis manuscritos foram recuperados de arquivos de família, bibliotecas particulares e depósitos. Os primeiros cinco dos raros manuscritos de bibliotecas particulares foram digitalizados e disponibilizados na internet para acadêmicos e estudantes no site www.aluka.org

O projeto para colecionar os manuscritos digitais foi organizado pela Aluka, uma companhia internacional sem fins lucrativos dedicada a trazer conhecimento da e sobre a África para o mundo acadêmico. 

Em parceria com um consórcio de bibliotecas privadas em Timbuktu e com o financiamento da Fundação Andrew W. Mellon (Andrew W. Mellon Foundation), a Aluka alistou técnicos em mídia da Northwestern University para projetar e montar um estúdio de fotografia de alta resolução em Timbuktu. Uma equipe local foi treinada para operar o estúdio. 

Muitos documentos na graciosa caligrafia Arábica são um deleite visual. Embora a escrita seja em sua maioria em Arábico, alguns manuscritos trazem vernáculos adaptados para a escrita Arábica, o que com certeza representará um desafio para os acadêmicos. 

"Os manuscritos de Timbuktu agregam grande profundidade ao entendimento da diversidade de história e civilizações da África,” diz Rahim S. Rajam, gerente de desenvolvimento de coleção da Aluka. 

Pesquisadores têm sido atingidos pela gama de assuntos que atraíram os acadêmicos de Timbuktu por muitos séculos e adentrando o século XIX. A maior parte dos primeiros manuscritos digitalizados é do século XV ao XIX. Os tópicos incluem as ciências da astronomia, matemática e botânica; artes literárias; práticas e pensamentos da religião Islâmica; provérbios; opiniões legais; e explicações históricas. 

“É um rico arquivo de literatura histórica e intelectual que está apenas começando a tornar-se mais amplamente entendida e acessível a um largo grupo de acadêmicos e pesquisadores,” comenta Rajan, que é especialista em estudos do Oriente Médio. 

Enquanto não há substituto para consultar os manuscritos reais, diz Wallach, é melhor lê-los em sua forma digital. Muitas das páginas dos originais são tão frágeis que não podem ser manuseadas. 

Mesmo que a Timbuktu contemporânea seja uma sombra opaca e poeirenta de seu renomado passado, vivendo principalmente dos poucos turistas ainda atraídos por seu nome e lenda, as páginas de sua história estão emergindo da obscuridade e, em alguns casos, sendo disseminadas à velocidade da luz. 

Fontes: Biblioteca Diplo / Revista História Viva / Pesquisa Mundi

29 de novembro de 2017

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

RICARDO BOECHAT ENTREVISTA JÔ SOARES


Ricardo Boechat entrevista Jô Soares
Rádio BandNews FM
27 de novembro de 2017

ASHTAR SHERAN - ÚLTIMO AVISO - TRANSMISSÃO FINAL À TERRA



ASHTAR SHERAN - ULTIMO AVISO - TRANSMISSÃO FINAL À TERRA

27 de novembro de 2017