quarta-feira, 21 de abril de 2010

"O HOMEM NÃO TRAMOU O TECIDO DA VIDA: ELE É SIMPLESMENTE UM DE SEUS FIOS".

"Somos o que pensamos", já disse um filósofo; mas também somos o modo como organizamos a cadeia de atos da nossa vida diária. Ele refletir-se-á, indubitavelmente, na nossa vida futura. Essa colocação é válida para as diversas dimensões da nossa existência.
É preciso despertar e tomar consciência desse fato. É necessário nos darmos conta da simplicidade, em meio a barafunda que transforma a vida numa corrida louca atrás de coisa nenhuma. É indispensável perceber o nosso destino como seres humanos e não como peças de uma enorme engrenagem.
O nosso tempo histórico é um tempo de velocidade, de aceleração; a nossa vida organiza-se em torno de momentos descontínuos, não nos permitindo pausar, refletir sobre o sentido do que está acontecendo.
Estamos aturdidos pela transitoriedade, pela impermanência dos nossos referenciais. Nunca um sistema provocou tantos desarranjos e tantos efeitos secundários indesejáveis, desarticulando a vida de uma maneira tão violenta, destroçando paradigmas, procurando alicerçar a vida e a extensão do bem-estar no acesso aos produtos industriais, sem medir o significado e os efeitos de uma produção em escala monumental de bens de consumo.
O consumo como "filosofia de vida" é apregoado pelos profetas midiáticos, em todas as partes do planeta ocidental. Afogamo-nos no tumulto das novidades tecnológicas e acabamos perdendo de vista o que é essencial, o que verdadeiramente nos proporcionará o prazer de viver: a saúde, o amor, a solidariedade, a comunidade universal.
Podemos perder muitas coisas na vida; podemos até recuperar muitas coisas na vida, mas não podemos nos permitir perder a visão macro da vida. E se a perdermos, poderemos até recuperá-la, mas é um caminho árduo e doloroso. Um caminho difícil. E quantos de nós teremos a força necessária para refazê-lo?
Não podemos cair na armadilha que nos transformará em simples consumidores de novidades inúteis. Isso nos tornará impotentes, devastará a nossa vida e perderemos a simplicidade de olhar a nossa volta e redescobrirmos a plenitude da vida. Impedirá que possamos cuidar do nosso semelhante, curar a nós mesmos.
Sabemos que a loucura desse modelo de consumo desenfreado é um pesadelo, embora muitos pensem  que seja um belo sonho de promessas douradas.

Para consumirmos tantas bugigangas, estamos emporcalhando a nossa casa planetária, extinguindo os seus recursos. Será que esse "progresso" (em nome de quê, e em que direção?) que assistimos boquiabertos de admiração, não é apenas um grande engodo? A que ele nos está levando? Ao exercício da alienação?
Percebo o desperdício dos recursos naturais; leio sobre a grande crise hídrica que se aproxima, pela poluição das fontes naturais e dos rios; da intoxicação do meio ambiente, da extinção de tantas espécies, alterando a cadeia elementar da vida... Ouço falar de agrotóxicos que "beneficiam a produção e a economia", devastando o meio ambiente; ouço dizer dos transgênicos, que aumentarão a exportação... Percebo que o "progresso" é uma grande e perversa 'armação'.
Vou transcrever o excerto de um livro: 'O despertar da águia', de Leonardo Boff. Particularmente, considero esse livro um guia para a difícil arte de ser humano.

"Com acerto escrevia o cacique pele-vermelha Seattle, ao governador Stevens, do Estado de Washington, em 1856, quando este forçou a venda das terras indígenas aos colonizadores europeus. O cacique, com razão, não entendia por que se pretendia comprar a terra. Pode-se comprar e vender a aragem, o verde das plantas, a limpidez da água e o esplendor da paisagem?
Neste contexto reflete que os peles-vermelhas compreenderiam o porquê e a civilização dos brancos "se conhecessem os sonhos do homem branco, se soubessem quais as esperanças que ele transmite a seus filhos e filhas nas longas noites de inverno, e quais as visões de futuro que oferece para o dia de amanhã".

Qual é o nosso sonho? Que esperanças transmitimos aos jovens? Que visões de futuro ocupam as mentes e o imaginário coletivo através das escolas, dos meios de comunicação e de nossa capacidade de criar valores? Que cuidado desenvolvemos para com a natureza e que benevolência suscitamos para com todos os seres da criação? Que novas tecnologias utilizamos que não neguem a poesia e a gratuidade? Que irmandade estabelecemos entre todos os povos e culturas? Que nome damos ao Mistério que nos circunda e com que símbolos, festas e danças o celebramos?

As respostas a estas indagações geram um novo padrão civilizatório.
Face às transformações que atingem os fundamentos de nossa civilização atual indagamos: quais são os atores sociais que propõem um novo sonho histórico e desenham um novo horizonte de esperança? Quem são os sujeitos coletivos gestadores da nova civilização?

Sem detalharmos a resposta podemos dizer: eles se encontram em todas as culturas e em todos os quadrantes da Terra. Eles irrompem de todos os estratos sociais e de todas as tradições espirituais. Eles estão em toda parte. Mas são principalmente os insatisfeitos com o atual modo de viver, de trabalhar, de sofrer, de alegrar-se e de morrer; em particular, os excluídos, os oprimidos e os marginalizados. São aqueles que, mesmo dando pequenos passos, ensaiam um comportamento alternativo e enunciam pensamentos criadores. São ainda aqueles que ousam organizar-se ao redor de certas buscas, de certos níveis de consciência, de certos valores, de certas práticas e de certos sonhos, de certa veneração do Mistério e juntos começam a criar visões e convicções que irradiam uma nova vitalidade em tudo o que pensam, projetam, fazem e celebram.

Por tais sendas desponta a nova civilização que será de agora em diante não mais regional, mas coletiva e planetária; e esperamos, mais solidária, mais ecológica, mais integradora e mais espiritual."

Os que acompanharam até aqui essa reflexão sobre o nosso presente e sobre o que esperarmos do nosso futuro, partilhem comigo a esperança de um novo milênio, que possa ser herança dos homens vindouros.

M. AMERICO

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