terça-feira, 18 de agosto de 2015

OS GRANDES IMPOSTORES DA HISTÓRIA

Com o apoio da ciência, o pesquisador Jan Bondeson elucida alguns dos maiores mistérios de identidade do século XIX. 

Em seu livro 'Os Grandes Impostores' ele reúne alguns dos enigmas que assombraram a Europa, mas não resistiram ao avanço da medicina e dos modernos testes de DNA



Princesa Anastácia, filha do último czar russo Nicolau II: uma impostora que afirmava ser Anastácia e ter sobrevivido à execução da família real foi desmascarada por um teste de DNA (Reprodução/VEJA)


Nunca existiu uma criança alemã criada em uma masmorra, sem contato com seres humanos e alimentada a pão e água. 
Kaspar Hauser, o jovem selvagem celebrado no filme de Werner Herzog de 1974, realmente existiu no início do século XIX, mas inventou a própria história para conseguir dinheiro, conquistar a generosidade alheia e, quem sabe, alguma fama. 

Jan Bondeson, professor da faculdade de medicina da Universidade de Gales, na Grã-Bretanha, vasculhou bibliotecas e documentos históricos sobre o caso e, juntado a esses indícios os avanços da ciência moderna, descobriu que, por critérios hoje óbvios para a medicina, o garoto bem desenvolvido física e mentalmente jamais poderia ter um passado tão desolador.

Em seu livro Os Grandes Impostores, recém-lançado no Brasil, Bondeson narra casos como esse, fazendo uma análise minuciosa de episódios conhecidos como os maiores mistérios de identidade do século XIX. Como um narrador de livros de detetive, ele recolhe pistas, examina as relações e tenta desvendar seus enigmas.

"A ciência do século XIX era inútil para investigar esses casos. As modernas técnicas de DNA deram neles um golpe fatal", diz Bondeson.

Biblioteca

Os Grandes Impostores
livro os grandes 
impostores(Reprodução/VEJA)Jan Bondeson, professor da faculdade de medicina da Universidade de Gales, apresenta um estudo sobre grandes mistérios históricos do século XIX. 

Usando seus conhecimentos médicos e históricos e juntando a eles os resultados de testes de DNA dos últimos anos, tenta desvendar os enigmas, que ainda fazem parte do imaginário mundial.

Autor: BONDESON, JAN

Editora: DIFEL

A maior parte dessas histórias não sobreviveu ao desenvolvimento científico e, principalmente, aos testes genéticos, acessíveis desde os anos 1990. Essa é a principal ferramenta para os casos de identidade duvidosa abordados no livro. 

Qualquer cabelo, pedaço de roupa ou carta secreta pode ser submetida à análise e ter sua veracidade comprovada. Príncipes sumidos ou filhos bastardos, hoje em dia, são facilmente desmascarados pela ciência.

"Para muita gente, um impostor é um vigarista do século XX. Não engolimos mais essas histórias com facilidade", explica Bodenson, autor de outros 13 livros, dois quais apenas um, Galeria de Curiosidades Médicas, havia sido traduzido para o português, em 2000.


História romântica - Nas páginas do livro, o reumatologista nascido na Suécia se concentra em uma época em que a medicina e a ciência como conhecemos ainda não estavam desenvolvidas. 
Exames de sangue, testes psicológicos ou material genético contido em cromossomos ou mitocôndrias não eram sequer ideias da ficção. Por isso, avaliar a autenticidade de documentos, confissões ou verificar se uma pessoa era mesmo quem dizia ser era uma árdua tarefa. 

O poder político europeu do período, que deixava de ser fundamentado em linhagens consanguíneas e era balançado por revoluções populares, tampouco ajudava a verificar a verdade dos episódios. 
Era comum surgirem herdeiros desaparecidos, monarcas imortais, casamentos secretos ou pessoas simples depois identificadas como nobres sumidos.

Além disso, o imaginário desse tempo ainda era impregnado por histórias míticas e o pensamento mágico fazia parte do cotidiano.

Não havia a separação clara entre a história convencional, baseada em evidências, e sua versão romântica, feita por teóricos de conspirações ou intelectuais amadores. Ficção e fatos históricos reais se misturavam e ficavam à mercê do narrador.

"Muitas dessas lendas e mistérios históricos se incluem em um conjunto de lendas típicas, algumas das quais têm origens muito antigas. A lenda do herdeiro desaparecido, como a do francês Luís XVII, reflete a longa ausência de Ulisses e seu retorno como um pleiteante. 

A história do simplório misterioso que acaba se revelando um príncipe, caso do czar russo Nicolau I, remonta a histórias populares medievais", explica Bodenson. 
"Eles têm muitos aspectos míticos e essa é uma das razões por que se tornaram tão famosas."

Experiência médica - O autor começou a se interessar no início dos anos 1990 pelas histórias de identidade duvidosas, comuns no século XIX. 
Paralelamente a seu trabalho como pesquisador na Universidade de Gales, começou a ler sobre pessoas que pleiteavam ser filhos de reis ou herdeiros de grandes fortunas. 
Percebeu que faltava reunir todos os fatos históricos relacionados a elas, as conclusões científicas e, principalmente, os resultados dos testes de DNA feitos com esses personagens.

Usando sua experiência médica - que vê os indícios das doenças, analisa suas causas e faz as relações para descobrir sua solução - resolveu ir atrás de documentos da Biblioteca Britânica, da Biblioteca Nacional da França e da Alemanha para pesquisar sobre esses personagens. Visitou as cidades e os museus locais para conhecer o ambiente e passado de cada uma das histórias. Levou dois anos para juntar todas as informações e reuni-las em livro. 
O resultado é uma apresentação de todos os indícios históricos e científicos e um exame preciso do que levou esses personagens a, até hoje, permanecerem no imaginário mundial.

Confira abaixo os principais mistérios históricos que não resistiram ao avanço da ciência:

Os grandes impostores desmascarados pela ciência


(Foto: Reprodução/VEJA)
O enigma de Kaspar Hauser


Famoso pelo filme de Werner Herzog, de 1974, Kaspar Hauser foi um garoto real, de 16 ou 17 anos, que apareceu em Nuremberg, na Alemanha, em 1828. 
Ele dizia que havia vivido até então em uma masmorra, não havia tido contato com humanos e era alimentado apenas de pão e água. 
O jovem tornou-se o centro as atenções da cidade e, em pouco tempo, surgiram rumores de que deveria ser o príncipe herdeiro da família real de Baden, no sudoeste da Alemanha, que havia sido roubado do berço em 1812. 
Kaspar Hauser viveu com alguns tutores, mas foi assassinado em 1833. 

A bibliografia destinada a desvendar a real identidade Kaspar Hauser dispõe de pelo menos 400 livros e 2 000 artigos. Alguns são a favor da teoria do príncipe e outras, de que Hauser era um garoto pobre que foi abandonado na cidade e inventou a história da masmorra para despertar a generosidade alheia. 

A análise dos documentos históricos mostra que a história da masmorra é disparatada — o jovem teve um bom desenvolvimento físico e mental e tinha aprendizado ágil, algo que não poderia acontecer em uma prisão pequena e escura. Já desmentir sua procedência real é mais difícil. 

Em 1996, a revista alemã 'Der Spiegel' patrocinou um exame de DNA para comprovar a história. Uma mancha de sangue na roupa de Kaspar Hauser, guardada em um museu alemão, foi comparada à ao DNA da realeza de Baden: elas não têm relação. 

O mais provável, de acordo com os historiadores mais recentes, é que Kaspar Hauser fosse o filho ilegítimo de uma família respeitável, criado em alguma fazenda isolada e abandonado na cidade quando os parentes não queriam mais o manter. Contar uma história fantástica e comovente sobre como foi maltratado seria uma ótima estratégia para conseguir dinheiro, conquistar amigos e fama.

“A história de Kaspar Hauser tem alguns temas característicos dos contos de fadas tradicionais: o príncipe aprisionado, o ingênuo com poderes extraordinários, o órfão à procura de suas verdadeiras origens. 
Na literatura e nas artes, Kaspar Hauser adquiriu vida própria”, escreve Bondeson em seu livro.


18 de agosto de 2015
Rita Loiola

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