sexta-feira, 17 de julho de 2015

A AMAZÔNIA SEM EXOTISMO

A viagem de Mário de Andrade à Amazônia (1927) foi fundamental para que ele terminasse de escrever Macunaíma, um dos grandes livros da nossa literatura, e talvez o mais melancólico. O romance rapsódia desse paulistano apaixonado pelo Brasil diz muito sobre o sofrimento, o abandono e, de algum modo, sobre o destino trágico dos povos do Norte.

Num belo poema meditativo (Acalanto do Seringueiro), Mário de Andrade evoca “Um homem pálido, magro, de cabelo escorrendo nos olhos.../ Esse homem é brasileiro que nem eu”.

Nesses versos ecoa a frase de Euclides da Cunha, escrita mais de duas décadas antes: “O seringueiro é um homem que trabalha para escravizar-se”.

É difícil desconstruir clichês; mas, aos poucos, os estereótipos da Amazônia perdem força. A grandiosidade e a exuberância dessa região ciclópica (“um infinito que deve ser dosado”, ainda conforme Euclides) já não escondem a miséria da maioria de seus habitantes. A violência contra os povos indígenas data de séculos, mas a destruição sistemática da biodiversidade é relativamente recente. 
A rodovia Transamazônica, as grandes queimadas, o uso de motosserras e de desfolhantes químicos datam do começo dos anos 70 e coincidem – sinal tenebroso daquele tempo – com o aumento da repressão e da censura. 
Desde então, a grilagem de terras indígenas e o assassinato de missionários, líderes de seringueiros e trabalhadores rurais aumentaram exponencialmente. E o mesmo se pode dizer sobre o tráfico de drogas nas cidades amazônicas, cujas periferias são tão violentas quanto as das metrópoles do Sudeste.

No melhor estilo das grandes reportagens investigativas e bem fundamentadas, o Estado publicou um caderno especial sobre a Região Norte: Favela Amazônia (5/7/2015).

Escrita por Leonencio Nossa (com fotos de Dida Sampaio), a reportagem faz uma radiografia de uma região que corresponde, grosso modo, à metade do território nacional.

O repórter e o fotógrafo percorreram uma vasta área, entrevistando líderes indígenas, presidentes de associação de moradores, músicos, militares, políticos, mafiosos...

Na construção da usina de Belo Monte (Altamira) já foram gastos R$ 28 bilhões, mas as cidades do Xingu continuam sem infraestrutura. Mais grave e muito mais fútil foi o gasto quase bilionário da construção da Arena Amazônia, em Manaus. Quais foram os benefícios sociais desse estádio monumental à população manauara?

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) em Manaus e Belém é baixíssimo. As duas maiores cidades da Amazônia disputam a liderança do pior IDH numa lista de 16 regiões metropolitanas do País. A assistência médica é precária em áreas indígenas e urbanas, e até mesmo o cartão do Bolsa Família é retido por mafiosos.

Durante o ciclo da borracha, índios e migrantes nordestinos trabalhavam para escravizar-se. Desde a implantação da Zona Franca (Decreto-lei de dezembro de 1967), a população de Manaus praticamente decuplicou. Mas a industrialização, além de ter esvaziado o interior do Amazonas, não diminuiu a desigualdade social e econômica em Manaus. A floresta ao redor da cidade foi invadida e tornou-se favela. É nesse quadro de miséria que vive uma parte significativa da população de Manaus.

No interior do Amazonas não é muito diferente. No documentário Aqui Deste Lugar (ainda inédito), o diretor Sérgio Machado filmou e entrevistou dezenas de famílias pobres, de Norte a Sul do Brasil. O cineasta pergunta aos mais jovens qual é o sonho deles. O grande sonho dos brasileiros do Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste é estudar, ter uma profissão e um emprego. No entanto, os jovens entrevistados no Amazonas estão desiludidos. Sentem-se desamparados, isolados, sem perspectivas de futuro.

O que pode ser a vida de um jovem que não alimenta sonhos?


17 de julho de 2015
Milton Hatoum

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