segunda-feira, 20 de julho de 2015

RAY KURZWEIL E O MUNDO QUE NOS ESPERA



Uma entrevista com o inventor e futurólogo americano

Quem chega em frente à sua casa em um bairro tranquilo de Boston logo imagina que lá dentro irá encontrar cenários futuristas, paineis imensos de monitores e engenhocas eletrônicas que materializam todas as previsões dos melhores escritores de ficção cinetífica. Um doce engano. A casa de Ray Kurzweil não é como, dizem, a casa de Bill Gates, toda administrada por um computador central. O CEO aposentado da Microsoft, aliás, é um de seus fãs mais ardorosos. "Kurzweil oferece um olhar único para um futuro no qual as capacidades do computador e da espécie que o criou ficarão ainda mais próximas uma da outra", diz Gates sobre o engenheiro.

É uma bela casa, de três andares e com muitos enfeites, nas mesas, nichos nas paredes e também algumas antiguidades. Por ali, vê-se pouco do que há dentro da mente desse homem respeitado por suas previsões, aparentemente mirabolantes, como a de que em algumas décadas, compraremos um computador pessoal centenas de vezes mais potente que o cérebro humano, por apenas mil dólares.

Com um sorriso cordial, sou recebido por Kurzweil em um dos poucos dias livres que tem. "São muitas viagens e palestras. Mas meu fôlego se renova a cada maratona", diz em tom de brincadeira. Todos os seus livros estão estrategicamente posicionados em uma mesinha auxiliar próxima ao sofá onde vamos nos sentar e conversar por cerca de duas horas e meia sobre o futuro.

Inventor desde a infância, Kurzweil é o responsável pelo desenvolvimento de algumas máquinas mirabolantes, algumas vingaram, outras não, incluindo o sintetizador musical, nos anos 70. Chamado para palestras, cursos e conselhos mundo afora, ele tornou-se um dos profetas da tecnologia mais respeitados no mundo. Em seu mais recente livro, The Singularity is Near (A Singularidade está próxima, ainda sem tradução para o português), diz que em 2029 a humanidade terá os recursos de inteligência artificial necessários "para que máquinas atinjam a inteligência humana, inclusive a inteligência emocional".

Acredita que será possível implantar no cérebro um computador do tamanho de um grão de ervilha para substituir neurônios destruídos pelo mal de Parkinson. Conselheiro de Bill Gates, Kurzweil projeta um futuro impressionante para a interação entre homem e máquina nos próximos anos. Sua projeção mais impressionante, é a da singularidade. "Máquinas cujo intelecto serão enormemente superiores aos humanos em todas as áreas dividirão e disputarão espaço conosco", prevê.

À primeira vista , parece um monte de balelas jogadas ao vento. Mas, se pensarmos nos avanços tecnológicos nos últimos 20 anos, veremos que eles pareciam balelas 20 anos antes. Anos mais tarde, diz, os avanços serão tão acelerados que aproximarão o homem de seu maior sonho: a imortalidade. Mais que um papo com o "Sr. Futuro", uma passagem só de ida, de primeira classe, para o século 21.

Foi no livro A Era das Máquinas Espirituais que o senhor usou pela primeira vez o termo Singularidade. Em linhas gerais, o que é a singularidade teconólogica?

Na verdade me familiarizei ao termo por volta de 1990. No meu último livro A Singularidade está Próxima eu efetivamente me debrucei sobre o ponto no tempo quando as tecnologias terão um papel explosivamente transformador. No outro livro, A Era das Máquinas Espirituais eu cheguei a tocar no assunto quando escrevi sobre a evolução dos computadores a níveis humanos de inteligência e o que isso significa em termos práticos. Quando falo sobre a singularidade quero chamar a atenção para um fenômeno que é o da ascensão exponencial da interação entre a biologia humana com a tecnologia que criamos. O paradoxo está no fato de que a inteligência biológica pode ser educada e melhor organizada, não pode mais passar por evoluções significativas, ao passo que a inteligência não-biológica, a dos computadores, tem sua capacidade multiplicada por mil a cada década que passa. Esse ritmo está diminuindo para menos de uma década.

Chegaremos a um tempo, então, que a inteligência dos computadores superará a nossa?

Não tenha dúvida disso. O cérebro humano possui uma capacidade de cerca de 1.026 cálculos por segundo (CPS), e isso não mudará muito ao longo dos próximos cinquenta anos. Nosso cérebro usa o sistema eletroquímico de transmissão de dados que viajam por entre os neurônios milhões de vezes mais lento que nos computadores. Comunicamos nosso conhecimento e idiomas usando nossa linguagem um milhão de vezes mais devagar que os computadores podem transmitir suas informações. Veremos uma grande disparidade por volta de 2040, quando a inteligência não-biológica que criamos será um bilhão de vezes mais rápida que os 1.026 cálculos por segundo do nosso cérebro. A palavra "singularidade" é uma metáfora para explicar este fenômeno. Emprestei o termo da Física e seus estudos sobre os buracos negros.

Como vê a evolução da mídia nesse processo? A explosão de novas plataformas, como a internet, os gadgets, como celulares, o Kindle, o iPad lançado recentemente, e outros fatores irão comprometer as mídias tradicionais como os jornais impressos, rádio e sobretudo a televisão?

Pelo contrário. O que vemos por enquanto são plataformas novas e potentes que permitem a convergência dos métodos tradicionais de comunicação de massa. Na internet posso ler uma reportagem clicar no link e ver o vídeo da reportagem e do mesmo texto acessar análises e comentários, além de interagir com esse conteúdo. São os conteúdos híbridos. O iPad, ao que me parece presta muito bem este serviço de maneira mais portátil apenas. O que ele faz por meio de seus aplicativos a internet tradicional já possibilita há muito tempo.

A televisão, que é ainda o meio de comunicação de massa hegemônico no mundo, está ameaçada em sua forma tradicional no futuro próximo à singularidade?

As telas estarão em todos os lugares, nos vidros das vitrines, carros, em óculos especiais, até mesmo nas nuvens de nanobôs programadas para exibirem cenários nos ares ao simples toque de um dedo. De certo modo a televisão nunca será abandonada. Gostamos das histórias, no Brasil mesmo, sei que há uma grande paixão pelas novelas. Aqui nos Estados Unidos amamos as séries. O que muda é o modo de fazer e de exibir. Num futuro não tão distante interagiremos mais com as programações das emissoras. Novas emissoras, via internet, irão surgir e poderemos montar nossa própria grade de programação. O hábito de estar em frente a uma tela persistirá cada vez mais forte, ainda mais no futuro em que os conteúdos poderão ser exibidos em realidade virtual com o telespectador efetivamente dentro da história. O que está comprometido de vez é a grade fixa de programação. O que muda significativamente é a criação dos roteiros, que poderá muito bem ser feita por um computador identificando o perfil de cada telespectador.

Isso quer dizer o fim dos roteiristas?

Não vamos dizer que seja o fim, mas o nascimento de um novo roteirista. E de atores também. Quem disse que precisarão ser de carne e osso? Não pode ser um avatar de alguém de carne e osso?

Muitas previsões sobre o futuro da tecnologia feitas nas décadas passadas se mostraram imprecisas. O que garante a segurança das projeções que o senhor faz? Há alguma técnica?

Eu conto com uma equipe de pessoas que pesquisam dados sobre diferentes indústrias e fenômenos, além dos pesquisadores que nos abastecem de informações a respeito de seus trabalhos nos campos mais variados ligados ao desenvolvimento da tecnologia. Semicondutores, nanotecnologia, desenvolvimento de materiais, entre muitos outros. Também muitas das projeções são baseadas em modelos matemáticos que se mostraram eficazes ao longo de todas essas décadas. Em cima desses modelos eu uso o que os matemáticos chamam de extrapolação de dados e tento construir novos modelos matemáticos para serem aplicados a diferentes fenônemos e indústrias. Muitos futuristas não usaram este tipo de metodologia e se basearam apenas em adivinhações e na intuição. Tenho feito algumas previsões desde os anos oitenta, quando escreviA Era das Máquinas Inteligentes. Lá está cheio de previsões tecnológicas sobre os anos noventa e o início do século 21 baseadas nesses modelos e que se provaram perfeitamente acuradas. Se nós entendermos quanto irá custar, por exemplo, um milhão de dados pro segundo, ou ainda quanto irá custar um par de bases de DNA para modelar uma proteína, ou outra medida de informação tecnológica em diferentes pontos no tempo, podemos construir cenários futuros para a tecnologia perfeitamente plausíveis e praticáveis.

Esses modelos se aplicam em relação à capacidade dos computadores como um todo?

Sim. Podemos aplicar a equação do preço/performance para o caso específico dos computadores. O que vemos são computadores e componentes cada vez menores ao passo em que estão cada vez mais potentes e com mais e mais memória. Há uma projeção, uma lei matemática por trás disso que quando extrapolada para daqui 25 anos nos leva a esse acréscimo de um bilhão na capacidade de processamento. Cada vez menores e extremamente poderosos.

É o encontro efetivo da computação com a nanotecnologia...

A nanotecnologia tem papel fundamental nessa evolução das máquinas e a superação da inteligência humana por elas. Já estamos vendo algumas aplicações primárias nesse campo, mas elas não representam a visão completa da nanotecnologia, aquela visão articulada pelo Eric Dexter [cientista, engenheiro americano, considerado um dos pais da nanotecnologia] lá pelos idos de 1986. Temos visto uma crescente capacidade de manipularmos a matéria no nível molecular. Um dos caminhos para criar nanotecnologia é começar com mecanismos biológicos e modificá-los a ponto de estendermos o paradigma biológico, que é ir além das proteínas. Essa visão de manipulação das moléculas, usando processos programáveis para fazer crescer objetos de maneira organizada com propriedades específicas já é uma visão de 20 anos atrás. Haverá uma rápida progressão em novos métodos na construção de nanocomponentes sem usar o método molécula a molécula como tem sido feito, mas átomo a átomo com suas propriedades específicas de armazenar e processar a informação. A Intel, por exemplo, já identificou isso e seus engenheiros já trabalham com pesquisa de novos métodos e vê na nanotecnologia o futuro de seus microprocessadores. A nanotecnologia já é um negócio bilionário para algumas empresas e será determinante em breve.

Quando?
Daqui cinco anos, por volta do ano 2015, teremos uma real dimensão da nanotecnologia em nossas vidas. Estaremos mais avançados no caminho da cura de terríveis doenças, como o câncer, problemas cardíacos e diabetes, tudo por meio da revolução na biotecnologia que nós já falamos. Com o desenvolvimento de medicamentos por meio da nanotecnologia, em apenas cinco anos poderemos ver progressos significativos nas pesquisas de como parar e até reverter o processo de envelhecimento.

O senhor diz que seremos imortais e que já se prepara para isso. Será o fim das religiões? Quantos poderão ter acesso a esse processo de imortalidade?

Ou pode ser o começo de novas religiões (risos). Não tenho dúvida quer caminharemos para a imortalidade, seja por meio de processos que revertam o envelhecimento das células biológicas, ou mesmo por meio da transferência de nosso conteúdo cerebral para um meio físico além do corpo, um novo hardware. Um robô construído a nossa imagem e semelhança é um dos modelos. E como tudo o que é lançado em temos de tecnologia, começa com preços altos e vai barateando a medida em que se insere no mercado.

A questão é saber se com a transferência de todo conteúdo de nossa mente para outro meio, também persistirá a consciência...

Essa é uma excelente questão que dá margem a discussões intermináveis entre os filósofos e outros teóricos. Acho que nesse ponto, o melhor a fazer é refletir bastante em cima de pesquisas e todos os questionamentos. é preciso deixar os neurocientistas descobrirem se a geração da consciência se dá pura e simplesmente por processos químicos ou não.

O que acha?

Ainda não sei. Melhor não arriscar essa previsão. (risos)


20 de julho de 2015
Marcelo Lapola

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