quarta-feira, 19 de agosto de 2015

JOÃO DE ORLEANS E BRAGANÇA, O PRÍNCIPE QUE FAZ UM RETRATO DO PAÍS, O FOTÓGRAFO E EMPRESÁRIO REGISTRA FLAGRANTES DA VIDA DOS ÍNDIGENAS


Reencontro. Em primeiro plano, Joãozinho com Marcello Kamayurá: eles se viram novamente há um mês, graças às redes sociais - Custódio Coimbra / Custódio Coimbr


RIO — Um príncipe, da linhagem dos imperadores do Brasil, desembarcou na aldeia. Dormiu na oca, pintou o corpo e se banhou no rio. Não, esta história não é uma ficção passada no século XIX: aconteceu mês passado, no Parque Indígena do Xingu. O nobre em questão era João de Orleans e Bragança, trineto de dom Pedro II e bisneto da princesa Isabel. Ele voltava à tribo dos camaiurás 37 anos depois de uma primeira estada entre os índios. Com uma câmera na mão, o herdeiro da família imperial — em tempos republicanos, fotógrafo e empresário — repetia o que fizera anos antes: flagrantes da vida dos indígenas no norte do Mato Grosso. E, aos 61 anos, escrevia mais algumas páginas em seu roteiro de viajante, honrando seus antepassados, que desbravaram florestas, navegaram rios e cruzaram mares.

VEJA AS IMAGENS DAS VIAGENS DE DOM JOÃOZINHO AO XINGU
Primeira viagem de dom Joãozinho ao Xingu aconteceu 37 anos atrás. Numa das fotos, ele aparecia ao...Foto: Arquivo pessoal / João de Orleans e Bragança
Ele retornou em julho deste ano, e encontrou o mesmo pai e filho. Foi Marcello quem o localizou...Foto: Arquivo pessoal / João de Orleans e Bragança
Em reencontro, o herdeiro da família real dormiu numa oca e acompanhou o ritual do Kuarup Foto: Arquivo pessoal / João de Orleans e Bragança
Chegado ao Xingu foi de avião. Na reserva, ele presenteou Marcello com uma câmera fotográficaFoto: Arquivo pessoal / João de Orleans e Bragança
Em selfie feita com celular, Joãozinho aparece ao lado de Marcello com o corpo pintado pelos índiosFoto: Arquivo pessoal / João de Orleans e Bragança
Entre as imagens registradas por Joãozinho, uma delas mostra os índios se banhando com o sol se...Foto: João de Orleans e Bragança / João de Orleans e Bragança

No apartamento em que mora no Leblon, Joãozinho mostra as imagens feitas no Xingu em 1978 e este ano Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo

Sua descoberta do Xingu foi aos 24 anos. Época em que Dom Joãozinho, como ficou conhecido quando era um jovem surfista nas praias cariocas, acompanhou amigos que faziam uma pesquisa universitária sobre a arquitetura indígena. Cabia ao príncipe fotografar a incursão, que virou uma reportagem, com imagens e texto dele, na “Geográfica Universal". Desde então, quando os irmãos Orlando e Cláudio Villas-Bôas ainda eram vivos, o mundo se transformou. Tanto que, ano passado, quando João postou uma das fotos da expedição numa rede social, foi encontrado por um dos índios clicados por ele em 1978.

— Na fotografia, estávamos o Marcello Kamayurá, ainda criança, seu pai Airuana e eu. Ao publicá-la no Facebook, Marcello entrou no meu perfil e comentou o post. Demorei meses para ler a mensagem, porque estava aprendendo a usar a ferramenta. Mas, quando vi, começamos a conversar. E ele me convidou a voltar ao Xingu, para o Kuarup (cerimônia de homenagem aos mortos) — conta João, relatando as diferenças entre a experiência recente e a anterior. — Hoje, os índios têm iPhone e iPad. Quero levar para eles painéis de energia solar. A essência da tribo, que é a valorização das relações humanas e da amizade, no entanto, não mudou. Quanto a mim, também mantive meus valores e minha maneira de ser.

A mulher de Joãozinho, a artista plástica Claudia Melli, diz que esse seu jeito de ser o leva a papear com qualquer pessoa, em qualquer lugar, independentemente da língua. É essa curiosidade por conhecer gente, afirma o príncipe, que o torna um “fotógrafo antropológico”.

Sua primeira grande viagem em busca desses encontros aconteceu em 1976. Ele atravessou meio planeta, de carona e a bordo até de um navio cargueiro, para chegar a lugares como Austrália e Samoa. Não parou mais.

PATRIOTA COM VISÃO CRÍTICA

A estreia como fotógrafo profissional em exposições aconteceu em 1987. E, desde então, ele percorreu o país para registrar em imagens os descendentes de escravos em Trajano de Moraes, no interior do estado, o trabalho de voluntários na periferia de São Luís, no Maranhão, os índios ianomâmis do Alto Rio Negro, no Amazonas, ou os artistas do AfroReggae em Vigário Geral, no Rio. Diante de um Brasil multifacetado, ele só reforçou um dos traços de sua personalidade: o patriotismo. Mas ressalva que é patriota, sim, porém, não ufanista. Isso lhe permite ter um olhar crítico sobre a condução da política nacional.


— O Brasil deve estar acima de tudo, de qualquer partido ou governo. Escrevi um artigo uma vez, chamando os traidores do país de quadrilhas públicas. Entra quadrilha, sai quadrilha. Mas acredito ser possível melhorar nossa realidade. Tudo dentro da democracia — afirma dom Joãozinho, voltando a lembrar dos índios do Xingu. — Eles deveriam dar lições de ética em Brasília.

Essa, no entanto, não é a única bandeira que costuma levantar. Com uma filha que tem Síndrome de Down, a defesa dos direitos de pessoas especiais é outra de suas lutas. São posturas diante do mundo que ele atribui ao que viveu e aprendeu com a família. Ainda jovem, o príncipe teve que parar os estudos de zootecnia para ajudar o pai, em dificuldades financeiras, em Paraty. Até hoje, ele divide seu tempo entre o Rio e a cidade, onde se tornou empresário dos ramos imobiliário e hoteleiro. Ao falar dos antepassados, não esconde a admiração por dom Pedro II, também um amante da fotografia:

— Pedro II tinha uma postura democrática. Trago no DNA as ideias dele.



19 de agosto de 2015
O Globo, Rafael Galdo

Nenhum comentário:

Postar um comentário