sábado, 16 de janeiro de 2016

A QUEM INTERESSAR POSSA: LIVROS SOBRE O ESTADO ISLÂMICO EXPLICAM AS ORIGENS DO TERROR


Livro Estado IslâmicoOs recentes atentados em Paris colocaram novamente o Estado Islâmico no centro das atenções da mídia, o que aumenta o interesse dos livros recentemente lançados no Brasil sobre o tema: “A origem do Estado Islâmico – O fracasso da Guerra ao Terror e a ascensão jihadista”, de Patrick Cockburn (Autonomia Literária, 208 pgs, R$ 40); “Estado Islâmico – Desvendando o exército do terror”, de Michael Weiss e Hassan Hassan (Seoman, 272 pgs. R$ 39,90); e “A Fênix Islamista – O Estado Islâmico e a reconfiguração do Oriente Médio”, de Loreta Napoleoni (Bertand Brasil, 154 pgs. R$ 30).

Com variações de foco, profundidade e extensão, os quatro títulos contribuem para entender tanto o conturbado contexto geopolítico da Síria e do Iraque nos últimos anos quanto a equivocada estratégia adotada pelos Estados Unidos e pela União Europeia na região. É consensual entre os autores que esses dois fatores criaram as condições para a emergência e rápido crescimento de uma organização militar-religiosa muito mais radical, violento e eficaz que a Al-Qaeda. O Estado Islâmico chocou o planeta ao divulgar pela internet decapitações de seus inimigos (basicamente todo mundo fora do EI, inclusive eu e você), escraviza sexualmente milhares de mulheres, atira homossexuais do alto de edifícios e hoje domina um território de área equivalente à Itália. Conta, além disso, conta com um exército de 100 mil combatentes e vem angariando um apoio popular não tão surpreendente numa região extremamente carente de serviços básicos e dominada na prática por líderes tribais. Em suma, o Estado islâmico está efetivamente modificando a correlação de forças políticas no Oriente Médio, sendo um dos responsáveis pelo êxodo em massa de refugiados sírios que comoveu o mundo.
Livro Estado IslâmicoO premiado jornalista britânico Patrick Cockburn, veterano correspondente de guerra no Oriente Médio, apresenta de forma competente os principais atores e episódios do conflito na região, reconstituindo, por exemplo, a espetacular tomada de Mossul, segunda maior cidade do Iraque, pelo Estado islâmico em junho de 2014. Cockburn critica asperamente a demora dos Estados Unidos em entender a gravidade da situação: o Estado Islâmico, afirma, foi subestimado pela maioria dos analistas, que o consideravam uma facção isolada e irrelevante. Cockburn também associa a eclosão do Estado Islâmico à invasão americana do Iraque, em 2003, e à guerra civil que se arrasta na Síria desde 2011. Afirma, ainda, que ataques aéreos à região serão inúteis enquanto não for enfrentado o sectarismo étnico e religioso na região, marcada por conflitos sangrentos entre xiitas e sunitas.
O livro do jornalista americano Michael Weiss e do cientista político sírio Hassan Hassan é mais detalhado e menos opinativo que o de Cockburn. Weiss e Hassan se concentram no processo de crescimento do exército jihadista e seu apelo para voluntários internacionais (estima-se um contingente de dezenas de milhares), com base em entrevistas exclusivas com militares americanos e combatentes do Estado Islâmico. Os dois autores explicam quem são os protagonistas do Estado Islâmico, de onde vêm, como conquistaram tanto apoio local e global e como eles operam. Mostram também como a organização surgiu das cinzas da Al-Qaeda no Iraque, construindo pacientemente células “adormecidas”, comprando lealdade e intimidando comunidades locais, eliminando assim qualquer possibilidade de resistência interna.
Livro Estado IslâmicoPor sua vez, a especialista em terrorismo Loretta Napoleoni afirma que, embora o Estado Islâmico seja frequentemente representado na mídia ocidental como um bando de malucos fanáticos, na verdade se trata de uma organização é extremamente sofisticada e ambiciosa, que está propondo um novo modelo de criação de Estados nacionais. Empreendendo uma guerra de conquista e expansão com o objetivo de estabelecer uma versão contemporânea do  Califado, o Estado Islâmico se utiliza com extrema competência da tecnologia no recrutamento de combatentes e na captação de recursos financeiros, ao mesmo tempo em que mobiliza a população local para a administração cotidiana do novo Estado. O EI vem demonstrando assim uma compreensão profunda do funcionamento da política no Oriente Médio: não se trata de uma simples rede terrorista, mas de um inimigo implacável, que está sabendo ocupar com eficiência as brechas da atual desordem mundial.

A leitura desses livros demonstra que, por assustador que seja, o Estado Islâmico não é um fenômeno dissociado de conflitos e interesses que o ultrapassam amplamente. No xadrez geopolítico da região, Irã, Turquia, Arábia Saudita e Catar, além das próprias Síria e da Líbia, movimentam suas peças segundo uma lógica particular, na qual o elemento religioso torna tudo ainda mais difícil de entender aos olhos ocidentais. Nesse contexto, nada pode se mais tolo que buscar maneiras de jogar a culpa nos Estados Unidos, receita de fácil consumo que infelizmente vem sendo muito disseminada na mídia e nas redes sociais.
16 de janeiro de 2016
in maquina de escrever

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