segunda-feira, 24 de outubro de 2016

NETA DE OSCAR WILDE MORA NO RIO, TEM 101 ANOS E É APOSENTADA PELO INSS


Resultado de imagem para oscar wilde
Constance, mulher de Wilde, com o filho Cyrill
Se a jornalista carioca Maria Chrisá, que está em Dublin (Irlanda), encontrar os espíritos do casal Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde e Constance Lloyd e seus dois filhos, Cyrill e Vyvyan, diga-lhes que a senhora Helen, que veio para o Brasil na década de 40, está agora com 101 anos, forte, lúcida e tomadora de vinho todos os dias. Diga-lhes que ela é a  filha de Cyrill, neta de Oscar Wilde e Constance. Que se naturalizou brasileira e vive no anonimato. Quem cuida dela aqui no Rio é seu advogado e amigo.  Ela tem a bengala, o xale e um anel do avô, além de todas as obras dele e muitas e muitas fotografias com dedicatória de próprio punho.
Helen é aposentada pelo INSS. Mas não quer aparecer. “Se o mundo souber que eu existo, o Rio receberá mais jornalistas para me entrevistar, filmar e fotografar do que recebeu na Olimpíada e eu não tenho mais idade para isso. Vivi no anonimato até hoje por que haverei de aparecer agora?”, disse-me ela domingo passado. Ela também não quer, aos 101 anos, se tornar rival de seu primo, Merlin Holland, o único filho de Vyvyan e que mora em Paris. Depois do escândalo com o marido, Constante e seus dois filhos trocaram o sobrenome, de Wilde para Holland.
A jornalista Maria Chrisá, minha querida amiga, está em Dublin. A família Wilde é de Dublin. Portanto, não se pode perder a oportunidade de dar a boa notícia aos pais, avós e tio da senhora Helen que tanto sonhou — e ainda sonha — ir reverenciar a memória do avô Oscar Wilde no cemitério do Père-Lachaise, em Paris.
DOIS NETOS – Descendentes de Oscar Wilde só existem dois. Um é Merlin Holland. Filho de Vyvyan, o segundo filho de Wilde com Constance, Merlin vive em Paris e tem 71 anos. O outro descendente é a senhora Helen, filha póstuma de Cyrill, morto aos 30 anos de idade,  em 1915, na Primeira Guerra Mundial, defendendo a França em combate.
A namorada de Cyrill estava grávida. A menina nasceu ainda em 1915, mas o pai (Cyrill) já tinha morrido. Então, a namorada de Cyrill veio para o Brasil anos depois. Já adulta (25/26 anos), trouxe a mãe e seu único tio. Isso aconteceu na década de 40. Todos se radicaram em Niterói onde existia – e existe até hoje – uma colônia e um clube de ingleses, com vasto campo. Helen começou a dar aula de inglês. A mãe (que engravidou, mas não chegou a casar com Cyrill) vivia da costura. O tio foi trabalhar em estaleiros.
A querida velhinha inglesa já completou 101 anos, mas está lúcida. Vê novelas, vai às compras e acompanha a política.  Ela tem várias fotos da época da mocidade. Em uma delas, Cyrill aparece beijando a barriga já um pouco estufada da namorada, a mãe da Helen. No verso da foto, Cyrill escreveu algo assim, em inglês: “Estou beijando a barriguinha do meu filho que vai nascer”… “Que Deus permita que eu volte da guerra em breve para me casar logo e cuidar da criança que vai nascer”.
APOSENTADORIA – Quando venci na Justiça Federal do Rio a primeira ação contra a Previdência, alinhando o valor da aposentadoria de um cliente ao número de salários (10) que ele contribuiu por toda a vida, a notícia naquela época, por ser inédita, foi matéria de primeira página nos jornais. Teve repercussão nacional. Foi na década de 80. A manchete do O Globo foi “Ele venceu a Previdência”, acompanhada da foto do cliente a meu lado, feita lá no escritório. A reportagem atraiu muitos interessados.
Um deles foi essa senhora chamada Helen, que era (e ainda é) solteira, Quando chegou, a secretária a levou até minha sala. Ela entrou e eu estava falando no telefone com um primo-irmão que naquele ano tinha tirado o 1º lugar no desfile de fantasia do Hotel Glória, categoria originalidade, com a fantasia “Violino Cigano”.
Ele, o primo-irmão, chama-se Marcos Béja, é professor de português e literatura, tio do Pedro Béja Aguiar que escreve na Tribuna. Marcos desenhava e ele próprio confeccionava  fantasias de luxo para Clóvis Bornay, Evandro Castro Lima, Mauro Rosas, Simão Carneiro e para ele próprio, que também desfilava. Marcos também é juiz internacional de concurso de gatos de raça e já viajou o mundo todo para integrar o juri dessas competições que são poucas no Brasil. Mora em Laranjeiras, pertinho do edifício Zacatecas.
CHEGA UMA CLIENTE – Quando percebi que entrou na sala uma cliente e sentou-se diante de mim, interrompi a conversa com o Marcos, pedi a ela um minutinho de espera e continuei falando com Marcos pelo telefone. E o incentivei a desfilar no ano seguinte com a fantasia de…  Oscar Wilde. Ele gostou.E eu disse que arcaria com todos os custos.
Quando terminei a conversa com meu primo, que a nova cliente acompanhou, ela me perguntou: – “Gosta do escritor?”.
– “Sim, gosto”.
– “Já leu suas obras?”.
– “Li apenas o De Profundis”.
– “Então, vou-lhe trazer outras”, disse, e ficou com lágrimas nos olhos. Vi que ela se emocionou. Mas não tocamos mais neste assunto e passamos para o caso jurídico. Ela também queria entrar na Justiça. Era (e ainda é) solteira, me passou procuração para processar a Previdência. Quando escrevi na procuração “brasileira naturalizada”, perguntei onde tinha nascido. Ela respondeu: “Sou londrina”.
No dia seguinte Helen passou no escritório, eu não estava e ela me deixou os livros “O Retrato de Dorian Gray” e “A Importância de ser Prudente”, ambos de Wilde. Ficaram comigo cerca de um mês.
PASSANDO MAL… – Meses depois teve um dia que a cliente senhora Helen me ligou, porque estava passando mal. Ela havia se mudado para Madureira e vivia só. Parei tudo que estava fazendo, peguei um táxi e corri lá. Era uma casa de vila: sala, quarto e cozinha e uma pequena área onde tinha um galo que cantava de madrugada e acordava os vizinhos, que sempre reclamavam, mas com respeito.  Não eram hostis e a chamavam de “a gringa”.
O subúrbio do Rio sempre foi um ótimo lugar para morar. Ainda hoje as vizinhos se cumprimentam e se ajudam reciprocamente. No subúrbio não há vaidade. Ninguém é orgulhoso. Todos se conhecem e se dão muito bem. E antigamente, na final da tarde e cair da noite, as pessoas tinham o costume de colocar cadeiras na calçada da porta de casa para conversar com a vizinhança, como ainda hoje acontece nas cidades do Rio Grande do Sul, tais com o, Uruguaiana e a Rolante do nosso Francisco Bendl.
FOTOS E RELÍQUIAS – Ao entrar na pequena casa reparei que havia na sala uma grande foto de Oscar Wilde e no quarto muitas outras fotos do escritor irlandês,  fotos de Constance, Cyrill, Vyvyan, todas nas paredes. Mas naquele primeiro momento só identifiquei a foto do escritor. As demais não sabia quem eram. Estranhei. Parecia um pequeno museu, muito limpo e decorado. Mas o importante era a saúde dela.  Coloquei-a no mesmo táxi que me levou desde o centro da cidade e fomos a uma clínica. Medicada, paramos na farmácia para comprar medicamentos e voltamos para casa.
Foi quando pude perguntar sobre aquelas muitas fotos de Oscar Wilde. Ela então começou a contar, pausadamente, toda a vida do escritor. E mostrou mais fotos de menor tamanho que tinha guardadas em álbuns, com cantoneiras. Em uma delas aparece uma moça grávida e um rapaz de chapéu na cabeça acariciando e beijando a barriga da moça (foto em preto e branco, mas até hoje muito bem conservada). E perguntei: “Quem são este jovem e esta moça?”. Ela respondeu que ele era Cyrill, o primeiro a nascer do casamento de Wilde com Constance. – “E a moça grávida?”. Era a namorada dele que engravidou e não chegou a casar porque ele morreu na guerra e a criança nasceu depois da morte do pai.
– “E que fim teve a criança?”. Aí ela fez demorado silêncio. E fixando o olhar na foto foi-me dizendo, pausadamente, em baixo tom, como se estivesse no confessionário e eu fosse um sacerdote ouvindo confissão. Disse que confiava plenamente em mim. Que eu havia dado prova de carinho e lealdade. E então me contou a verdade.
NUNCA QUIS SE EXIBIR – Helen enfim revelou, cheia de orgulho: – “Esta criança nasceu. Era uma menina. Cresceu. Envergonhada por ser mãe solteira, a mãe dela veio para o Brasil com o irmão e a filha, já crescida, já adulta. Ser mãe solteira naquela época já era vergonhoso. E se soubessem que a criança era neta de Oscar Wilde, aí mesmo que a vergonha seria bem maior. Isso se passou na chamada época Vitoriana.
– “Então Oscar Wilde teve uma neta que morou no Brasil?”, perguntei.
-“Sim”, respondeu. “E a neta dele ainda mora aqui?”.
– “E onde ela está?”, indaguei.
– ”Ela neste momento está conversando com o seu advogado”.
– “Então é a senhora?”, perguntei com o coração disparado.
– “Sim, sou eu”.
Helen jamais quis aparecer e se exibir como neta de Wilde. É tão discreta como um quadro antigo na parede, retratando Dorian Gray. Aos 101 anos, está lúcida e mais parece uma personagem de um escritor genial.

24 de outubro de 2016
Jorge Béja

Nenhum comentário:

Postar um comentário