domingo, 6 de agosto de 2017

EM DEFESA DOS SERES INVISÍVEIS, ESSES TRABALHADORES ANÔNIMOS DA TERRA

Ilustração do Duke (O Tempo)


Por mais ameaças que pesem sobre a Casa Comum, a Terra, atacada em todas as frentes pelo tipo de cultura que desenvolvemos nos últimos dois séculos, explorando ilimitadamente seus bens e serviços limitados, mais diretamente para a acumulação material de poucos, apesar disso tudo, ela continua generosamente ofertando-nos beleza de frutos, flores, plantas, animais e vasta biodiversidade.

A mim impressionam as pequeninas flores vermelhas e amarelas de três vasos que pendem de uma de minhas janelas. Ridentes, elas estão sorrindo para o universo. Isso me remete à frase do místico poeta alemão Angelus Silesius que diz: “A flor é sem porquê, ela floresce por florescer, não se preocupa se a olham ou não, ela simplesmente floresce, por florescer”.

VIDA INVISÍVEL – Sabemos que somente 5% da vida é visível. O restante é invisível, composto de micro-organismos, bactérias, vírus e fungos. Já escrevi isso aqui e o repito nas palavras de um dos maiores biólogos vivos, Edward O. Wilson: “Em um só grama de terra, ou seja, menos de um punhado, vivem cerca de 10 bilhões de bactérias, pertencentes a até 6.000 espécies diferentes” (“A Criação: Como Salvar a Vida na Terra”, 2008, p. 26).

Têm razão James Lovelock e seu grupo ao afirmarem que a Terra é um superorganismo vivo, um sistema que se autorregula e que articula o físico, o químico e o ecológico de forma tão inteligente e sutil que sempre produz e reproduz vida. Chamou-a de Gaia, nome grego para designar a Terra viva.

ERVAS SILVESTRES – Nada é supérfluo na natureza. Com certo sentido de humor, escreveu o papa Francisco em sua encíclica “Sobre o Cuidado da Casa Comum” referindo-se a são Francisco. Este pedia aos frades que, “no convento, se deixasse sempre, numa parte do horto, um lugar para as ervas silvestres” porque do jeito delas também louvam seu Criador.

Devemos cuidar desses trabalhadores anônimos que garantem a fertilidade dos solos e são responsáveis pela inimaginável diversidade dos seres, e também da existência dos seres humanos, em seus diferentes modos de ser. Com os bilhões de litros de agrotóxicos (só no Brasil lançam-se ao solo cerca de 760 bilhões de litros), nós os ameaçamos e matamos.

Na história da vida, que já tem 3,8 bilhões de anos, a humanidade é a primeira espécie a se tornar uma força geofísica letal. Ela é capaz de exterminar a vida visível e nossa civilização. Há quem diga que com isso foi inaugurada uma nova era geológica, o Antropoceno.

Um naturalista, Jacob Monod, aventa a ideia de que, pelo fracasso de nossa espécie, outro ser vai surgir, quem sabe mais amante da vida.

TUDO TEM VALOR – Quem poderia imaginar que uma simples ervinha silvestre de Madagascar fornecesse alcalóides que curam a maioria dos casos de leucemia infantil aguda? Ou que um obscuro fungo da Noruega fornecesse uma substância que permite realizar o transplante de órgãos? Mais surpreendente ainda: que a partir da saliva de sanguessugas foi desenvolvido um solvente que evita a coagulação do sangue em cirurgias?

Como se depreende, todos os seres possuem um valor em si mesmos pelo simples fato de terem surgido ao longo de milhões de anos de evolução e em seguida poderem ser generosamente úteis para o ser humano.

SÃO FRANCISCO – As espécies ditas “daninhas” enriquecem o solo, limpam as águas, polinizam a maioria das plantas. Sem elas, nossa vida estaria sujeita a doenças e seria mais breve. Essa legião de micro-organismos e minúsculos invertebrados, que constituem quatro quintos de todos os seres vivos da Terra, não estão à toa e sem cumprir sua função no processo cosmogênico. Nós precisamos deles para sobreviver. Mas eles não precisam de nós.

São Francisco pisava de mansinho sobre o solo com medo de matar algum bichinho. Nós os atropelamos.


06 de agosto de 2017
Leonardo Boff
O Tempo

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