quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

SEGREDOS E INCONFIDÊNCIAS



Para não dar a algum eventual leitor malévolo desta crônica o pretexto para acusar-me de machista, deixo claro desde já que o conhecido episódio histórico de delação, associado ao que conhecemos como Inconfidência Mineira, não foi praticado por uma mulher, e sim pelo delator Joaquim Silvério dos Reis. Se Tiradentes não foi o que dizem, e os outros inconfidentes não foram o que disseram, não é assunto das minhas atuais cogitações, restritas à probabilidade de alguém guardar ou revelar um segredo. Adianto também que não me lembro de nenhuma ocasião em que eu mesmo tenha sido vítima de uma inconfidência feminina.

Erguido bem no início este escudo defensivo, passo a considerar a voz corrente, quase um dogma da crença popular – as mulheres não sabem guardar segredos. Essa tal de voz corrente pode também dar margem a explorações anti-Jacinto, pois nenhum tribunal a aceitaria como prova da defesa. Portanto, acho melhor acrescentar mais argamassa na minha muralha defensiva, compilando frases de escritores famosos sobre essa característica atribuída ao sexo feminino. Para não indispor as leitoras contra os respectivos autores, omito os seus nomes.

• A mulher é capaz de guardar um segredo, desde que não se diga a ela que é segredo. O único segredo que uma mulher pode guardar é aquele que não sabe.
• As mulheres têm necessidade de confiar seus segredos mais íntimos ao primeiro que se apresente. Para ajudar a conservar um segredo, a mulher recorre a todas as suas amigas. Quando pede a uma amiga para guardar um segredo, é porque precisa divulgá-lo.

• O único segredo que uma mulher guarda tenazmente é a sua idade. Nunca confie numa mulher que revela sua verdadeira idade; se ela faz isso, é capaz de qualquer coisa.

• Se você realmente quer guardar um segredo, não precisa de ajuda. Ninguém guarda melhor um segredo do que quem o ignora. Só guarda segredo quem não o sabe.

• Segredo entre mais de dois é comício. Três pessoas podem manter um segredo, se duas delas estiverem mortas.

• Quando o vinho entra, o segredo sai.

Esses autores generalizaram muito, e alguns até o fizeram de modo pitoresco, mas nem de longe é possível aceitar esses conceitos como sendo aplicáveis a todas as mulheres. Tanto assim é, que cada um de nós tem uma mãe a ser excluída, eu tenho a obrigação de excluir minhas distintas leitoras, além de muitas outras exceções previsíveis. Veja também que alguns desses escritores não limitam sua verrina às mulheres. Mas o fato concreto é que a desconfiança pesa genericamente sobre muitas mulheres quanto à sua inconfidência, ou incapacidade de guardar segredos.
Se você já leu romances policiais e relatos de espionagem, ou os viu transformados em filmes, deve ter notado as inúmeras encrencas provocadas pelos chamados segredos de alcova, transmitidos ao inimigo através de concubinas. Seria injusto generalizar com base nesses escritos novelescos, mas eles teriam pouca receptividade no público se fossem baseados em fatos improváveis. Tratando-se de concubinos, a própria situação dos dois já é motivo para desconfianças mútuas.

Mas há um grupo confiável de pessoas, historicamente imunes a inconfidências e desconfianças. Inúmeros relatos fidedignos descrevem o heroísmo de membros desse grupo, que guardaram segredos à custa da própria vida ou liberdade. Motivo suficiente para confiar que não será divulgada a autoacusação feita no confessionário, pois o sacerdote é obrigado ao segredo de confissão; e comete pecado mortal, sujeito a excomunhão, se o revelar conscientemente (veja mais sobre este assunto nos verbetes Excomunhão e Segredo de confissão, da Wikipedia).

Há muito tempo se fala em admitir mulheres ao sacerdócio. O assunto sempre volta de modo insistente, cada vez mais virulento, alegando até o inconcebível apoio de membros da hierarquia eclesiástica. Se não houvesse motivos muito mais graves para não admitir o sacerdócio feminino, eu lhe pergunto: Você ficaria tranquilo depois de confessar seus pecados a uma sacerdota, vigária, pároca, bispa?

Caso a Igreja resolva introduzir essa aberração, apesar dos seus vinte séculos de experiência, correrá o risco de suas sacerdotas se instalarem em confessionários sem filas, sem interessados em confessar-se. Afinal de contas, não é sem motivo que surgiu a tal voz corrente. Ninguém correrá o risco das prováveis inconfidências, além de o confessionário transformar-se numa central de divulgação de fofocas.

Sem maiores dificuldades, apontei algumas exceções para as inconfidências femininas, e poderia acrescentar ainda muitas outras, se meu espaço limitado o permitisse. Mas não conte comigo para aprovar ou frequentar confessionários cujos ocupantes sejam mulheres. Por favor, inclua-me fora dessa.


06 de janeiro de 2016
Jacinto Flecha

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